No reino marcelínico

Escrito por Albino Bárbara

«Em política não há mal-entendidos. Tudo é feito de forma intencional, o que parece é, tem efeito corrosivo, com danos consideráveis, isto a curto ou médio prazo»

No país dos brandos costumes que constitucionalmente soube distribuir competências entre o Parlamento e o Presidente da República, com respeito por todas as outras instituições do Estado, mantendo o equilíbrio e a equidistância em relação a credos e religiões, eis, que de tempos a tempos, somos surpreendidos por atitudes e afirmações pouco cautelosas, mais ou menos estapafúrdias, de quem tem responsabilidade política, está presente, mas às vezes não sabe estar e as perguntas colocam-se:
São feitas da boca pra fora no calor de um simples impulso? Têm timing previsto? São assim tão inocentes? Ou pelo contrário aportam consigo carga política q.b.?
Em política não há mal-entendidos. Tudo é feito de forma intencional, o que parece é, tem efeito corrosivo, com danos consideráveis, isto a curto ou médio prazo. Em suma:
Dada a forma, conteúdo e estilo estará o protagonista-mor da República tentar virar a página logo após as autárquicas, mesmo percebendo que esta sua atitude é nitidamente aproveitada pelo escarro que a democracia deixou parir.
Marcelo, desde o primeiro dia em que se sentou na cadeira maior do país, iniciou de imediato a campanha para este seu segundo mandato onde o mundo “pink”, as selfies e o nacional porreirismo imperaram.
Para além da criação de factos políticos, coscuvilhice e intriga, o atual PR é primeiro-ministro, ministro de tudo e mais alguma coisa, legislador, deputado, juiz de todos os tribunais, estratega, líder partidário, comentador desportivo, animador dos telejornais, faltando apenas prever o tempo, numa quase substituição do técnico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (competências definidas pela nossa Constituição do artigo 120º ao artigo 140º), numa visível e clara apropriação de todos os pilares republicanos do nosso regime democrático.
A popularidade não é, nem pode ser, sinónimo de tudo poder fazer. Há limites. E nem vale a pena recordar os episódios com Pinto Balsemão, o mergulho no Tejo, o do embaixador do Irão ou do mais recente, o bairro da Jamaica.
O segundo mandato que poderia e deveria fazer jus a um bem-vindo e renovado mister Chance, afinal continua marcado pelo intrigante comportamento cinematográfico de um domínio do mal, Trabalho interno, Marseille ou mesmo Tudo pelo Poder.
Neste ritmo alucinante em que permanentemente vive, Marcelo deita agora as garras de fora e apresenta, em definitivo, o seu lado de Rebelo de Sousa, contracenando com a triste e vã figura que Costa protagonizou na AutoEuropa e no apoio mais que previsível de quem viu em Marcelo o seu maior aliado, apostando na política da palmadinha nas costas, de paninhos quentes, mesmo sabendo que este seu segundo mandato nunca seria igual ou sequer parecido ao primeiro. Começa agora a ter a prova.
Neste mundo onde os bitaites não param, Sócrates, o filósofo, tinha inteira razão: «Prudência no ânimo, silêncio na língua e vergonha na cara».
Certeza absoluta:
Marcelo Rebelo de Sousa é o Presidente da República de Portugal eleito democraticamente.
Tem, por isso, o meu respeito institucional. Mas jamais será o “meu” Presidente.

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Albino Bárbara

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