Se de alguma coisa serviram estas eleições presidenciais, para além de confirmarem Marcelo por mais cinco anos, foi tornarem mais claro e confirmarem o espectro político que veio das últimas eleições para o parlamento. Há agora espaço para um partido liberal, como o havia mais claramente para um partido ecologista independente (o que Os Verdes não eram e é o PAN), e a esquerda radical mostrou-se claramente desfasada dos novos tempos, quase diria que fossilizada. Chegou a ser aflitivo ver o João Ferreira não ter nada que dizer a André Ventura quando este o acusou de conivência com o regime da Coreia do Norte (e poderia também ter dito umas coisas desagradáveis sobre a Venezuela). A esquerda radical, por outro lado, não consegue ligar coerentemente o seu discurso sobre o défice (não tem qualquer importância – pede-se mais dinheiro emprestado e pronto) com o seu discurso sobre a dívida (não se paga e pronto).
Como se sabe, até há muito pouco tempo não havia direita em Portugal: o PSD era social democrático e do centro, o CDS era centrista e o PS era de centro esquerda. Da direita havia alguns grupúsculos insignificantes que se foram perdendo na memória. Sendo isso verdade, é verdade também que sempre houve pessoas de direita e de extrema-direita, gente que lamentava não haver nenhum partido suficientemente à direita para o seu gosto e que só por exclusão de partes votava no PSD ou no CDS-PP. Muitos declaravam-se abertamente fascistas e lamentavam não haver um “homem forte” que pusesse ordem “nisto”. Votaram Cavaco Silva, para primeiro-ministro e para presidente, mas lamentavam-se por ele não ser “suficientemente fascista”.
Agora há direita de verdade, na versão populista, e vale para já cerca de 12 por cento. O seu discurso não traz nada de novo e já o ouvimos em França, na Hungria, nos Estados Unidos de Trump e no Brasil de Bolsonaro, entre outros. Em Portugal têm martelado duas ou três ideias muito básicas (como recomendado por Hitler em “Mein Kampf”, já que o público alvo, dizia ele, é incapaz de perceber ideias mais complexas): a identificação de um ou vários grupos como sendo o inimigo, a exacerbação nacionalista e a recusa de imigrantes ou refugiados, o discurso securitário, o desmantelamento pelo menos parcial do Estado, a apresentação do homem providencial. No caso do Chega há mais uma ou duas coisas, pensadas para o público alvo, como a tarifa fixa de IRS, a eliminação dos “subsídio-dependentes” ou a luta contra a corrupção.
Nenhuma dessas bandeiras se aguenta muito sob o escrutínio: Portugal não tem um problema de segurança ou de criminalidade que justifique agravamento de penas, basta aplicar as que existem para manter Portugal como um dos países mais seguros do mundo; as penas de prisão perpétua ou a castração química são apenas um chamariz para os que reclamam também o regresso da pena de morte ou “que se atem os incendiários a pinheiros a arder”; a luta contra a corrupção não é apanágio de ninguém em especial e todos os partidos falam dela, não apenas Ventura, e este não apresentou uma única medida que pudesse combatê-la eficazmente; a taxa única de 15% de IRS, com isenção para os salários baixos (isenção que já existe) serve apenas para baixar os impostos aos ricos; os ciganos não são um problema e a subsídio-dependência também não, para alem de existirem leis que penalizam os abusos há muitos que não podem sobreviver sem subsídios, ciganos ou não, e Portugal, como acontece em qualquer país civilizado, tem de apresentar uma resposta para eles.
O público alvo gosta, e é o que interessa a André Ventura e ao Chega. Conseguiu para já convencer o sector mais boçal e ignorante do eleitorado, mas não nos lamentemos: é melhor sabermos onde estão.