Combater o populismo

«O combate ao populismo não se faz utilizando a linguagem insultuosa de Ventura e atacando-o, mas sim combatendo a corrupção e o nepotismo, promovendo os valores democráticos, a igualdade e a igualdade de oportunidades»

Apesar da pandemia, os portugueses foram às urnas e votaram Marcelo Rebelo de Sousa – o reeleito Presidente da República ganhou em todos os concelhos do país, um feito único. Como na noite eleitoral pude comentar em https://ointerior.pt/opiniao/marcelo-ganhou-em-todo-o-pais/, Marcelo ganhou em todo o país, André Ventura ficou em segundo lugar na maioria dos distritos, Mayan superou a Inicitiva Liberal, Vitorino teve 122 mil votos, Marisa Matias e João Ferreira foram os grandes derrotados e Ana Gomes ficou muito longe dos objetivos.

Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente dos afetos, o candidato sem máquina e sem partido, foi sempre muito melhor do que os seus adversários. Com simpatia genuína, seriedade e profissionalismo, Marcelo mostrou na noite eleitoral o seu humanismo e simplicidade – um homem só, dedicado à causa pública, sem precisar de multidões ou euforias espalhafatosas. O “bloco central” de Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa foi o grande vencedor das eleições.

Numas eleições marcadas pelo advento de uma candidatura de perfil populista, de André Ventura, e pela pandemia, com uma abstenção muito alta (60%), mas em que quase metade dos portugueses, heroicamente, foi votar, o regime político sofreu um vendaval: os 497 mil votos de Ventura colocam muitas perguntas sobre o espectro partidários e político futuro. E agora?

Reeleito o Presidente da República, venham as próximas eleições. As autárquicas. Ainda este ano. O Chega aparentemente ainda não tem estruturas locais disseminadas pelo país, mas teve votos em todo o território. Este fluxo terá consequências incalculáveis no ordenamento partidário também nos nossos concelhos. Se no Alentejo, o voto xenófobo, em especial nos concelhos com mais ciganos, um quarto dos votos foram escandalosamente para André Ventura (em Monforte 31,41% e em Elvas 28,76%, por exemplo), também na nossa região os resultados do candidato populista surpreendem e é completamente imprevisível o que poderá suceder. No distrito de Viseu André Ventura teve 16.446 votos (13,16%), no distrito de Castelo Branco 9.920 (13,95) e no da Guarda 7.737 (14,33). Perante este movimento de votos o que poderá suceder nas candidaturas às próximas autárquicas?

Em 1986, quando o PRD irrompeu na Legislativas com 18% dos votos em todo o país, houve muitas mudanças e foram eleitos muitos vereadores e até presidentes de Câmara, mas foi um epifenómeno sem consequências, no regime e no ordenamento político-partidário – esvaziou-se com a retirada de Ramalho Eanes. Mesmo sendo certo que o voto de André Ventura é essencialmente um voto do descontentamento e do protesto, haverá muitos demagogos e oportunistas que irão cavalgar a onda e aproveitar uma certa radicalização social para ocuparem lugares e conquistar o poder local. No concelho de Castelo Branco André Ventura teve 18%, para o que terão contribuído as “negociatas” do PS de Hortense Martins e o afastamento do marido (Luís Correia) da presidência da Câmara por corrupção. Na Guarda, o líder do Chega teve 2.485 votos (15,31%) que, em autárquicas, deverão chegar para eleger um vereador… Nuns concelhos mais do que noutros, pode haver uma nova ordem eleitoral. Ou pelo menos, uma nova corrente, extremista, populista, saudosista, nacionalista ou simplesmente de protesto e antissistema. Mas que poderá mudar o mapa político das autarquias. Como comentou Nuno Rogeiro, «se não querem extremismo, sejam extremos na luta contra a corrupção, o compadrio, o tráfico de influências» e se «não querem populismo», «governem para o povo, com o povo e pelo povo». Como se viu nestas eleições presidenciais, o combate ao populismo não se faz utilizando a linguagem insultuosa de Ventura e atacando-o, mas sim combatendo a corrupção e o nepotismo, promovendo os valores democráticos, a igualdade e a igualdade de oportunidades. Pode não ser simples, mas é tarefa de todos. Dos políticos em primeiro lugar.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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