PSD, Bloco de Esquerda (BE) e CDS-PP protagonizaram uma aliança estranha na Assembleia Municipal (AM) da Guarda da passada sexta-feira. No período de antes da ordem do dia, os três partidos convergiram nas críticas ao Governo e ao PS pelo não cumprimento de promessas eleitorais, como a instalação na cidade do comando nacional na Unidade de Emergência Proteção e Socorro (UEPS) da GNR e do Centro Nacional de Educação Rodoviária, ou da construção do Pavilhão 5 e da segunda fase de requalificação do Hospital Sousa Martins. Já os socialistas denunciaram o «contrato milionário» do diretor executivo da candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura em 2027.
Sem qualquer alusão à polémica da AM extraordinária, a sessão decorreu no grande auditório do Teatro Municipal (TMG) para cumprir as regras impostas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) por causa da pandemia da Covid-19. Apenas Cidália Valbom, presidente da mesa, destacou o facto da assembleia ter decorrido normalmente, «o que prova que é possível quando se cumprem as regras», disse no encerramento dos trabalhos.
Muito antes disso, foi aprovado por unanimidade uma moção do BE sobre a instalação do comando da UEPS. «A AM exige ao Governo uma resposta clarificadora e conclusiva» sobre a data da instalação deste comando na Guarda, lê-se no documento apresentado por Marco Loureiro e que vai ser enviado ao primeiro-ministro, ao ministro da Administração Interna, ao presidente da Assembleia da República e aos grupos parlamentares.
«Faltando um mês para completar um ano após o anúncio, continuam a ser muitas as dúvidas relativamente ao início das obras de adaptação do edifício, bem como quando estarão concluídas», refere a moção, onde se recorda que o comando ficaria instalado na antiga sede da Infraestruturas de Portugal, que acolhe atualmente o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres) e a Secretaria de Estado da Ação Social, após obras de adaptação a realizar pela autarquia. Henrique Monteiro (CDS-PP) concordou com o teor do documento e considerou que a vinda do comando da UEPS para a Guarda «já cheira a mais uma promessa não cumprida pelo Governo, tal como o Centro Nacional de Educação Rodoviária.
É aquilo a que já estamos habituados». Tiago Gonçalves (PSD) aproveitou a deixa para acrescentar outros casos que «carecem de consolidação», como o Hotel Turismo, o centro de acolhimento do Serviços Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a variante da Sequeira e a requalificação dos acessos ao terminal rodoferroviário da cidade. «A reabertura da Pousada da Juventude não sai do sítio e continuamos sem saber nada do Pavilhão 5 do Hospital Sousa Martins», lamentou o social-democrata, alertando que a AM «não pode esquecer estes assuntos».
A assembleia também aprovou por unanimidade uma moção da CDU que defende o investimento na ferrovia e a «reposição de todo o serviço de comboios na Linha da Beira Alta». No texto apresentado por Aires Diniz é reclamado um plano «estruturado e em articulação para o futuro próximo entre a Linha da Beira Alta e da Beira Baixa, sem descurar a ligação internacional, via Vilar Formoso, potenciando o transporte ferroviário como suporte de interconexões a outros serviços públicos, sejam na saúde e educação e na mobilidade em geral nas Beiras».
Contrato «ruinoso e desleal»
Já o PS voltou ao tema da candidatura a Capital Europeia da Cultura, com António Monteirinho a acusar a autarquia de ter celebrado um «contrato ruinoso» com o diretor executivo da candidatura, Pedro Ganhado. «É ruinoso e desleal para com os guardenses pelos valores que implica», sublinhou o socialista, revelando que o arquiteto vai cobrar 120 mil euros, mais IVA, até 2021. «São mais de 7 mil euros por mês. É um contrato milionário e escandaloso», exclamou António Monteirinho, constatando que o diretor executivo vai ganhar mais do que o presidente do município e dos vereadores.
«O PS, neste período sensível que a todos obriga a repensar gastos e investimentos, não pode deixar de expressar a sua perplexidade com um contrato ruinoso, que, para além de extremamente oneroso para as finanças municipais, ainda contém uma alínea que prevê o pagamento integral do montante contratado, haja ou não apresentação da candidatura», denunciou. O coordenador da bancada socialista acrescentou que o contrato é um «ato de grande deslealdade» do presidente da Câmara para com a cidade e o concelho «neste período crítico em que importa apoiar as famílias, os comerciantes e os empresários e garantir a continuidade dos postos de trabalho aos guardenses».
O PS criticou ainda gastos de 400 mil euros em consultorias e prestações de serviços num projeto «de que pouco ou nada se conhece», disse o deputado municipal, que pediu mais informação e propôs que «nem mais um cêntimo seja autorizado a pretexto da candidatura da Guarda a Capital Europeia a Cultura sem que venha a esta AM uma explicação, um plano estratégico e um orçamento». «O presidente e vice-presidente da Câmara ainda hão de agradecer este travão proposto pelo PS», garantiu António Monteirinho, que defendeu que a Guarda «merece ser Capital Sessão decorreu no TMG para garantir o devido distanciamento entre os eleitos Europeia da Cultura». O problema é que a candidatura «não envolva ninguém do concelho» e «muito menos o vulgar cidadão que olha para tudo o que se está a passar de modo distante e desinformado, porque os promotores parecem recusar aproximar-se, informar, envolver e agregar». Na resposta, o presidente da Câmara concordou que o valor a pagar a Pedro Gadanho «é elevado, mas os bons profissionais fazem-se pagar bem». Quanto à informação, anunciou que o relatório intercalar do trabalho da candidatura seria revelado na reunião de Câmara desta segunda-feira (ver pág.5).
Carlos Chaves Monteiro esclareceu também que «está previsto gastar 400 mil euros no projeto, até aqui só gastámos 46 mil euros». O edil admitiu que esta aposta «é cara, mas ou se está ou não se está e nós estamos». No entanto, garantiu que «vamos ser racionais e responsáveis nos gastos» da candidatura. Carlos Chaves Monteiro fez igualmente o ponto da situação do comando da UEPS, dizendo que o município está a aguardar uma reunião técnica com a GNR para saber quais as obras necessárias no edifício. «Também é preciso saber o que se faz com o IMT, estando a Câmara a aguardar uma reunião com os seus responsáveis», disse o edil, que no caso do Hotel Turismo revelou que o Ministério das Finanças ainda não autorizou a entrega da posição contratual da MRG à Greenfield.
Quanto ao centro de acolhimento do SEF, Chaves Monteiro informou que aquele organismo fez uma candidatura ao POSEUR e aguarda a sua provação. «Até lá nada», disse o presidente, que espera que a Infraestruturas de Portugal lance o projeto da variante da Sequeira em setembro. Mais atrasado estarão as obras na Guarda-Gare. «A Câmara tem 750 mil euros para esse efeito, mas o processo está na Direção-Geral do Tesouro para aprovação», indicou, adiantando ter solicitado uma reunião com esta entidade para «acelerar» o procedimento.
Contas de 2019 aprovadas por maioria
A AM ficou também marcada pela intervenção de Henrique Monteiro, que disse estar interessado na construção do Centro de Exposições Transfronteiriço (CET), uma vez que a Câmara vai «pagar 800 mil euros por ano a um fundo de investimento». O presidente prometeu falar no assunto «no momento certo e nas instâncias devidas, primeiro na Câmara e depois na AM».
No período da ordem do dia, a prestação de contas de 2019 foi aprovada por maioria com Aires Diniz (CDU) a declarar que estaria «tudo bem se nos limitássemos aos números, o problema é que a Câmara não tem políticas de apoios aos idosos, aos jovens, ao comércio e às PME’s». Por sua vez, Henrique Monteiro (CDS-PP) constatou que os proveitos da autarquia subiram «à custa do bolso dos munícipes, com o IMI, o IMT e as tarifas da água e saneamento». Já Rui Ribeiro (PS) considerou que a Câmara é «uma locomotiva a perder vapor porque as taxas de execução estão a abrandar». Além disso, há dívida à Águas do Vale do Tejo, que continua a não ser reconhecida, lembrou o socialista, para quem essa opção «desvirtua» o valor da dívida real do município.
Quem também votou contra foi Marco Loureiro (BE) por considerar que houve «demasiado aumento de impostos». Opinião contrária defendeu o social-democrata Ricardo Neves de Sousa, que destacou «o rigor» das contas da maioria PSD e o crescimento da capacidade de endividamento da Câmara. «Em 2012 esse indicador andava próximo do zero, hoje aumentou quase 24 por cento», apontou o deputado, que lembrou ainda a amortização de mais de 2,2 milhões de euros de empréstimos contraídos pelos antecessores socialistas. «O PS endividou-se e o PSD teve que pagar a conta», ironizou Ricardo Neves de Sousa.
Carlos Chaves Monteiro esclareceu que a dívida à Águas do Vale do Tejo «não subiu e não existe nas contas porque está em provisões», uma situação que perdurará enquanto o litígio não for resolvido. O presidente da Câmara negou ainda que tenha havido aumento de impostos ou alteração das taxas municipais: «O que há é aumento ou redução das receitas conforme a dinâmica económica do concelho», contrapôs.
Na sexta-feira a AM aprovou por unanimidade o Regulamento Municipal de Atribuição de Apoios às IPSS do concelho e a atribuição de um apoio excecional de 40 mil euros à Junta de Freguesia de Gonçalbocas para compra do edifício que acolhia a IPSS local e foi vendido em hasta pública por a associação ter sido declarada insolvente.
Os deputados aprovaram igualmente votos de pesar pelo falecimento de Rui Quinaz (antigo vereador e deputado municipal do PSD), de Pereira da Silva (antigo deputado municipal do CDS-PP) e de Laurindo Prata. Os sociais-democratas propuseram mesmo que o nome do empresário venha a constar da toponímia da cidade. A AM regressa na próxima terça-feira para a sessão ordinária de junho.