Um dia tudo regressará àquilo a que depois chamaremos normalidade. Um dia voltaremos a estender as mãos uns aos outros, a entrar em cafés e restaurantes repletos de gente, em praias, em ruas pejadas de turistas, andaremos às voltas em parques de estacionamento à procura de um lugar, tentaremos encaixar-nos num elevador já cheio, ou numa carruagem do metro. Esse dia não vai ser em breve, nem dentro dos próximos meses. O ponto em que estava a China em dezembro é talvez aquele em que estamos agora. Chegará o pico da pandemia em abril ou maio e depois serão muitas semanas, ou meses, até nos dizerem que tudo terminou. Um alívio das medidas de isolamento poderá deitar tudo a perder e ninguém aceita fazer estes sacrifícios para nada.
Entretanto, trabalha-se numa vacina. Trump queria uma em exclusivo para os Estados Unidos, num dos mais feios gestos da sua feia vida, mas não a vai ter. Mesmo assim continua a exigi-la com rapidez e parece depositar nela o essencial da sua ação e das suas promessas. Há laboratórios a trabalhar dia e noite para a conseguir, alguns a saltar etapas essenciais. Num artigo recente na revista americana “The New Republic”, Melody Schreider conta a história de vários laboratórios em corrida contra o tempo e uns contra os outros. Um desses laboratórios (Moderna Therapeutics) prescindiu de testes em animais e passou diretamente aos testes em voluntários, a quem paga 1.100 dólares por cabeça (o que é eticamente muito discutível). O argumento é que tempos desesperados obrigam a medidas desesperadas e que, já agora, não é certo que os testes em animais não humanos permitissem retirar alguma conclusão. No entanto, respondem os que defendem os métodos tradicionais, não tendo o vírus efeito em ratinhos, será possível após algumas semanas de manipulação genética forçar a suscetibilidade desses animais para depois testar as várias versões da vacina. A não ser assim, a vacina que irá ser produzida pela Moderna Therapeutics poderá levantar muitas dúvidas sobre a sua eficácia e muitos receios acerca da sua toxicidade em humanos – nada por onde um antigo e notório “antivaxxer”, como Trump, não tenha já andado.
Por isso há que esperar por uma vacina que tenha passado por todos os passos e todos os crivos cientificamente estabelecidos, de modo a assegurar segurança e eficácia – e isso vai demorar muitos meses, talvez mais de um ano. A não ser assim, estaremos à mercê dos vendedores da banha da cobra e, acreditem, vai haver uma imensidão, uma infeção, uma pletora deles.