Recordo a minha infância no mundo rural, onde abundavam bovinos e caprinos e não necessitávamos de andar quilómetros para suprir as necessidades de leite.
E deixo-vos uma pergunta nuclear: a carne ou o leite que importaremos a mais, de países da EU ou fora dela, para colmatar o crescer do nosso défice decorrente da redução dos nossos efetivos de bovinos, é uma produção de vacas e bois que não contribuem para os gases com efeito de estufa (GEE)? Porque não importarmos e adotarmos essas vacas, que não expelem metano, na nossa pecuária? Ou esses gases (GEE) têm as cores das bandeiras nacionais e respeitam as fronteiras? Haja o sentido do ridículo ou do dislate de certas afirmações! E o transporte da carne não produz CO2? Aliás, a «maior liberalização do comércio no mundo», defendida pelo sr. ministro do Ambiente, vai, segundo parece, garantir-nos carne mais barata, mas não levanta nenhum problema de um brutal consumo de combustíveis fósseis e produção de CO2?
Andamos a lutar pela vaca jarmelista e o Governo propõe que se «corte» nos efetivos de bovinos nacionais?
Entram “na dança” os efetivos das raças autóctones que tanto custaram a repor e salvar (e dificilmente serão sustentáveis sem reforço dos seus apoios)? A biodiversidade não é um valor a salvaguardar?
Como é isso compatível com a Secretaria de Estado da Valorização do Interior, ou não se sabe como operam as lógicas da liberalização e do mercado? Ou será à grande exploração de 15 mil bovinos no distrito de Portalegre de um conhecido grupo da grande distribuição que aponta o Governo? Ou vai distribuir o mal pelas aldeias? Mas isso é o estado de negação absoluta para quem desenvolveu políticas de concentração e ampliação da dimensão das explorações e dos efetivos, inclusive com incentivos financeiros/ fundos comunitários, em nome da modernização, rentabilidade e competitividade da nossa produção pecuária!
A substituição de áreas agricultadas por áreas de silvas e matos, criando novos espaços de continuidade entre zonas florestais, oferecendo mais pasto, não a animais, mas aos incêndios.
O caminho para a agropecuária bovina ligada às explorações familiares, à conta da descarbonização e segundo o RNC2050, é a sua extinção, com o agravamento paulatino mas inexorável dos nossos défices em proteína animal. Que já hoje custam anualmente cerca de 800 milhões de euros (20% do défice da balança alimentar, que é de 4 mil milhões de euros), e em que a carne bovina representa perto de 400 milhões de euros (10% do défice da balança alimentar)!
A ignorância é tanta que se desconhece que há níveis críticos de produção, abaixo dos quais as deseconomias das explorações agrícolas familiares e sobretudo das suas estruturas de transformação e comercialização (matadouros, cooperativas, etc.) que restam se precipitam num círculo vicioso, com a eliminação de toda a produção. Como aconteceu já a inúmeras adegas cooperativas. Como, aliás, está em curso na produção leiteira! Como pode acontecer com as raças autóctones.
Mas para que será que se avançou na criação do Estatuto da Agricultura Familiar?
Afinal, quem sabe, sabe… Os agricultores portugueses é que não sabiam. E quem, em bom português, os mandasse… dar uma volta nas próximas eleições para o Parlamento Europeu?
As escolhas também lá se fazem como os que elegemos no próximo dia 26 de maio de 2019, pois lá se fazem cá se pagam e o nosso distrito está cada vez mais pobre e despovoado pelo abandono do sector primário fruto das opções neoliberais da antiga CEE, hoje UE.
* Militante do PCP