Arquivo

Nada pode ficar como antes

Editorial

1. A limpeza das “zonas de risco de incêndio” decretada pelo governo tem provocado, estranhamente, algumas divergências.

Os municípios alertaram para a «difícil exequibilidade» da lei que impõe a limpeza dos terrenos envolventes às casas ou vias públicas no tempo que está fixado (até 15 de março) e apelaram ao «aperfeiçoamento» de alguns diplomas. Aliás, segundo os autarcas, não há meios para tamanha tarefa – o mesmo é dizer que o pacote financeiro é pequeno para tanto trabalho. Mas limpar o mato e evitar que a tragédia dos incêndios se repita é uma tarefa demasiado relevante para ficarmos a discutir a falta de meios ou de prazo.

Como disse, e bem, o ministro Capoulas dos Santos é tempo de fazer escolhas. E as autarquias vão ter de as fazer: Se for preciso cortar o apoio a festas para garantir que há dinheiro para a limpeza das florestas então é isso que os municípios devem fazer. E podemos achar populista ou desproporcionado, mas não há outro caminho. A natureza tem de ser uma opção prioritária, e se os meios forem exíguos para tarefa tão hercúlea, então é preciso procurar soluções alternativas e caminhos que permitam a maximização de meios e a redução do risco. E é preciso que as medidas, agora fruto da urgência e da necessidade de intervenção imediata (porque não há tempo a perder) sejam promovidas para além de 15 de março.

Claro que, como disse o investigador Paulo Fernandes, as medidas impostas de limpeza de matéria combustível em redor das casas e aldeias são meros paliativos perante incêndios que são tempestades de fogo. Porém, o que está a ser feito é fundamental. O investigador e especialista em floresta, e todos os que têm discordado das medidas promulgadas, têm razão em defender medidas mais abrangentes e promotoras de desenvolvimento ambiental, social e económico, mas o estado de abandono a que os territórios foram entregues, o despovoamento e a desertificação do meio rural precisam de paliativos e medidas imediatas, que poderão não ter um enquadramento de longo prazo, mas que poderão ajudar a salvar vidas – a vida dos poucos que ainda vivem nas nossas aldeias. Limpar e prevenir é o mínimo que podemos exigir. Com mais ou menos meios, não podemos admitir que Pedrógão se repita. Só com a participação e o esforço de todos podemos evitar que o país volte a arder como a 15 de outubro. Em memória dos que morreram; em nome dos resilientes que continuam a dar vida ao campo, nada pode ficar como antes… é tempo de fazer alguma coisa.

2. O despacho orientador do acesso ao ensino superior do próximo ano propõe a redução de cinco por cento das vagas nas instituições de ensino superior de Lisboa e Porto (exceto em Medicina, Física e Tecnologias de Informação). O governo pretende com esta medida regular o acesso ao ensino superior nas duas maiores cidades e levar mais de mil alunos para instituições de outras cidades. A medida pode ser um passo assertivo para mudar alguma coisa na forma como o acesso ao ensino superior é feita há dezenas de anos, mas a verdade é que a planificação e o futuro do ensino superior fora de Lisboa e Porto necessitam de muito mais do que gestos simbólicos que nem sequer poderão ser um “paliativo” para a concentração que foi feita ao longo de anos. Na prática, a medida poderá não ter qualquer impacto – entre os alunos que irão ficar em Lisboa nas privadas e os que irão para outras universidades do litoral, de Aveiro a Braga… Mas ainda assim, é positivo concluir que o ministro quer mudar alguma coisa, afinal, contra a vontade de muitos, como se percebeu pelos comentários do presidente do Técnico, Arlindo Oliveira, arrasadores para o ensino no interior.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
Rory arruarquivo@mweb.co.za
Comentário:
Ola Luis — Como sempre, breve, relevante e necessário Abraços Rory Birkby
 

Sobre o autor

Leave a Reply