De cada vez que alguém elabora um pensamento preocupado com o presente, ou que levanta a mínima desconfiança sobre o mundo maravilhoso do progresso, cai-lhe em cima uma tempestade do TwiX (o X que já foi Twitter).
Como qualquer visão mais tradicionalista da sociedade é vista como uma aberração fascista, e a posição clássica conservadora de “se está bem, não mexas” é entendida também como reaccionária, depreende-se que só a mudança para o desconhecido é aceitável para os arautos do futuro. (Curiosamente, alguns fascistas do século XX eram futuristas, e vice-versa, mas não quero agora estar aqui a lembrar erros do passado.)
Para os amantes do progresso, depois de uma mudança concretizada, nunca mais se pode voltar atrás. Sejam logotipos ou modelos educativos. São gente que, curiosamente, apresenta uma fé inabalável na Humanidade. No fundo, a sua crença é que todos os sistemas em que Humanidade se organizou até agora foram todos absolutamente terríveis, e que só com muita sorte – ou engenho – chegámos até ao ponto em que agora nos encontramos, e que não podemos parar de evoluir.
Eu, por mim, já se parava um bocadinho de evoluir. Andamos nisto há já uns bons milhares de anos e tenho a dizer que além de ser cansativo, parece-me que chegámos a bom porto. Temos um polegar oponível, que dá imenso jeito enquanto não é partido por um bando mafioso. Temos visão a cores, o que facilita imenso para ver jogos de futebol. Temos dois ouvidos estereofónicos, excepto se formos o Van Gogh ou um terrorista tajique.
Inventámos um sistema de rabiscos numa superfície que permite dizer coisas uns aos outros sem abrir a boca – a escrita – e inventámos a fissão nuclear. Obviamente, uma das descobertas pode ser uma fonte de bem-estar para a humanidade. A outra, pelo contrário, tornou possível publicar romances de Pedro Chagas Freitas.
Construímos umas casas onde não se vive mal, apesar de em Portugal não terem aquecimento e, em muitas delas, se viver lá com os pais. Criámos veículos que andam mais depressa do que os cavalos, os comuns e os alados. Inventámos batedeiras para fazer bolos mais rapidamente.
Juntamos pessoas numa sala, dizemos-lhes coisas, elas repetem, e chamamos-lhe aprender. Com o aprendido, uns esquecem, outros fazem tal e qual foram ensinados, e uns quantos usam o que aprenderam para inventar coisas e ideias. É a conta disso que o leitor não está a ler O INTERIOR em barro ou papiro. Por isso e porque é um leitor sofisticado. Tem o progresso na mão, e mesmo assim, usa-o para ler reaccionarices várias. Depois não se queixe.
Não esqueçamos, “para a frente é que é o caminho”.
Se o casamento é a base da família tradicional, o futuro é a união espiritual. Desburocratizemos o matrimónio. Casamento deve ser sem papéis – e as pessoas também são opcionais.
Se a liberdade é a base da democracia liberal, o futuro é a censura respeitosa. Travemos a liberdade de expressão. As pessoas só devem poder dizer aquilo que os intelectuais considerarem aceitável. (Não escrevo “de esquerda” porque esta semana não estou para pleonasmos.)
Se o trabalho é a base do capitalismo, o futuro é a preguiça. Hum… Pensando bem, o futuro parece-me muito apetecível, e é já para lá que quero ir.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia