O Tribunal da Guarda

Escrito por Francisco Manso

“O Palácio da Justiça da Guarda foi inaugurado a 27 de abril de 1953. O dia não foi escolhido ao acaso, estava cheio de simbolismo para a cidade e para o país, e foi comemorado festivamente pelos portugueses. “

O Palácio da Justiça da Guarda foi inaugurado a 27 de abril de 1953. O dia não foi escolhido ao acaso, estava cheio de simbolismo para a cidade e para o país, e foi comemorado festivamente pelos portugueses.
Havia 25 anos que Salazar tinha assumido a pasta das Finanças, após a eleição do general Óscar Carmona e na sequência do fracasso do seu antecessor em conseguir um empréstimo externo de forma a equilibrar as contas públicas, à beira da rutura. Para aceder ao cargo exigiu o controlo sobre as despesas e receitas de todos os ministérios. A sua primeira passagem pelo Governo tinha sido efémera, desta vez, por lá ficará bastantes anos…

O Tribunal da Guarda

De há muito que a falta de instalações, com um mínimo de dignidade para um Tribunal, era uma das maiores carências que a Guarda sentia.
Deixados para trás os tempos do pelourinho, símbolo da justiça medieva, situado, mais ou menos, onde antes se encontrava a estátua de D. Sancho I, derrubado em 1847, quando foi aberta a estrada que seguia para a Covilhã, o Tribunal instalou-se em condições miseráveis no segundo piso do edifício onde mais tarde veio funcionar a Câmara Municipal. Era uma bela casa, construída no séc. XVI, mas que então estaria muito degradada. No piso inferior ficava a malfadada Cadeia da Guarda.
Eram tão grandes as críticas às suas instalações que assim que o Paço Episcopal ficou “disponível”, abusivamente ocupado logo após a implantação da República, o Tribunal mudou para esse imponente edifício. Em 1927 o seu grande salão passou a ser a sala de audiências. As instalações da Cadeia também mudaram para o edifício contíguo, onde tinha sido o Seminário.
Continuava, no entanto, mal instalado, pois o edifício embora fosse de qualidade indiscutível, era já velho de séculos, urgia, pois, arranjar novas instalações e de raiz. Era uma missão difícil, pois exigia largos cabedais, que a Câmara não tinha, e o país, até há poucos anos quase falido, também não.
Sendo óbvia a sua necessidade, foi o Dr. Dinis da Fonseca, dinâmico presidente da Câmara, que soube aproveitar várias circunstâncias favoráveis, entre as quais o facto do ministro das Corporações, Dr. José Soares da Fonseca, ser natural de Seixo Amarelo, e grande amigo do Dr. Cavaleiro Ferreira, ministro da Justiça.
Foi a última obra do Dr. Dinis da Fonseca inaugurada enquanto presidente da Câmara, pois passado pouco tempo, no dia 16 de junho desse ano, foi substituído pelo Dr. Lopes Quadrado, que até aí era seu vice-presidente.

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1. Palácio da Justiça

O Palácio da Justiça

Para que a obra se concretizasse a Câmara cedeu uns terrenos que possuía no Campo da Boa Vista, em frente à Praça Municipal, e em 1948 o Governo transferiu, sob a forma de subsídio, 2.500 contos para a Câmara.
É um conjunto arquitetónico de grande beleza, sóbrio mas elegante, construído em magnífico granito branco da região. Alegre e airoso, quase não deixava adivinhar os fins a que se destinava.
Por dentro destacam-se os belos vitrais, que se abrem ao fundo da escadaria, e representam as três leis que fazem a Justiça do Tribunal: A Lei Divina, a Lei Natural e a Lei Positiva. São da autoria do prestigiado mestre António Lino.
No acesso ao piso superior destacam-se duas estátuas representando o cronista Rui de Pina, natural da Guarda, e João Pinto Ribeiro, Juiz de Fora em Pinhel, e um dos principais conspiradores de 1640. Trata-se de duas boas obras do escultor António Duarte, também autor da estátua, desterrada, de D. Sancho I.
Também obra de António Lino é o magnífico fresco que decora a parede do fundo da sala de audiências e representa a conciliação feita pela Rainha Santa Isabel entre o marido e o filho.

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2. Paço Episcopal, futuro Tribunal

A inauguração

O dia 27 de abril, uma segunda-feira, foi um dia de tempestade, mas, mesmo assim, foi uma multidão que assistiu às cerimónias, embora, já para o final, era tanta a força do vento e tanta a chuva que primeiro debandou a multidão, depois a Mocidade Portuguesa e a seguir até a força do Batalhão de Caçadores 7, aquartelado na cidade. Só alguns corajosos e a Legião Portuguesa teriam resistido.
De manhã houve missa solene na Sé, depois um almoço, oferecido pela Câmara, no Hotel de Turismo, seguindo-se uma sessão na Câmara. À tarde, pelas 17 horas, o bispo da Guarda, D. Domingos da Silva Gonçalves, procedeu à bênção da Casa, seguindo-se depois os discursos do costume e uma visita às instalações.
No final, o presidente da Câmara, e não o Governo, como o Dr. Dinis da Fonseca gostou de salientar, fez a entrega da posse do edifício ao Juiz de Direito da Comarca da Guarda.
O dia seguinte, embora faltasse concluir o pátio interior e o lajedo, foi já de trabalho. Realizou-se a primeira audiência no Palácio da Justiça, presidida pelo Juiz da Comarca, Dr. Francisco Mendes Barata dos Santos, servindo de Delegado o Dr. Norberto e como advogado o Dr. João Gomes. O réu, acusado de furto, confessou o crime e foi condenado. Mas como se tratava de um rapaz novo, havia pouco casado, foi-lhe suspensa a pena por três anos.
Integrado no mesmo processo, já a Câmara tinha reservado três lotes de terreno que possuía na Rua João Pinto Ribeiro destinadas a “casas dos juízes”, que serão construídas segundo um modelo mais ou menos idêntico a outras, mas as da Guarda foram das primeiras e melhores.
Entretanto, e porque os anos passam, foram realizadas obras de requalificação do edifício adaptando-o a novas necessidades e novas tecnologias, procurando servir melhor a comunidade, como também o foi há mais de cinquenta anos.

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3. Adaptação do tribunal velho a Câmara nova

* Investigador da história local e regional

Sobre o autor

Francisco Manso

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