P – Como vê a crise que se vive no jornalismo em Portugal?
R – A crise portuguesa enquadra-se numa tendência mundial que afeta o jornalismo desde o final do século passado. Esta situação resulta de três fatores: uma crise económica global, uma revolução tecnológica e o surgimento de novos concorrentes, como os blogues e as redes sociais. No caso português, a situação é ainda mais grave porque os hábitos de leitura são baixos, o tecido empresarial é frágil e os apoios estatais são quase inexistentes.
P– Decorreu no passado fim de semana o Congresso de Jornalistas, que opinião tem sobre as conclusões e a marcação de uma greve geral de jornalistas?
R – Penso que a resolução final inclui todos os pontos importantes. É um bom ponto de partida para os partidos incluírem propostas nos seus programas eleitorais. Em relação à greve, tenho algumas dúvidas que seja uma boa opção. Se a ideia é chamar a atenção para os problemas do setor, quem vai noticiar a greve se os jornalistas não trabalham? Em termos práticos vai afetar quem consome informação, mas passará despercebida para quem “lê coisas” nas redes sociais pensando que é informação noticiosa.
P – Concorda com quem reivindica que tem de haver uma intervenção do Estado ou mesmo que seja o Estado a apoiar financeiramente o jornalismo?
R – Sim, o Estado tem um papel fundamental no sistema, mas considero que os apoios diretos se devem restringir ao porte pago e aos investimentos na renovação tecnológica.
P – Que outros caminhos poderiam contribuir para salvar o jornalismo?
R – Em termos económicos, defendo que deve ser implementada uma solução 360 graus, ou seja, a combinação de várias fontes de receitas. Para além das vendas/assinaturas e da publicidade, penso que há medidas com potencial para ajudar o sistema. No caso da imprensa escrita, a oferta de duas assinaturas anuais (publicação de informação geral + um jornal regional) a todos os jovens que completam 18 anos é uma boa opção. Considero ainda que deve ser criado um Fundo de Apoio ao Jornalismo (FAJ) financiado por um imposto a aplicar aos equipamentos pessoais de comunicação com acesso à Internet (“smartphones” e “tablets”). Um valor de 2,5 por cento por cada equipamento novo teria pouco significado para as empresas e consumidores, mas muito para o sistema. A título de exemplo, no ano de 2022 foram vendidos em Portugal 2,5 milhões de “smartphones” no valor de 934 milhões de euros. Não querendo onerar as empresas nem os consumidores, o Estado poderia prescindir de 2,5 pontos do IVA em favor do FAJ. Para além dos equipamentos, também os ISP’s deveriam contribuir para este fundo. Por cada novo pacote de dados vendido, os fornecedores destes serviços deveriam contribuir com uma taxa de 2,5 por cento para o Fundo. Em Portugal há cerca de 4,6 milhões de subscritores de pacotes de serviços de telecomunicações, com um gasto médio a rondar os 37 euros. Por fim, 2,5 por cento do IMI recebido por cada Câmara Municipal poderia igualmente ser distribuído pelos media locais do seu concelho e dos concelhos limítrofes. Ora, em 2022 previa-se que as Câmaras recebessem cerca de 1,6 mil milhões em IMI… Porquê insistir nos 2,5 por cento? Por ser um número simbólico (25 de Abril) ao qual associamos a palavra “democracia”, tal como acontece com a atividade jornalística. Outra vertente importante é a formação dos jornalistas. Neste caso, as empresas tecnológicas, que arrecadam a maior parte das receitas “online” (Google, Facebook, Amazon, etc), deviam responsabilizar-se pelo financiamento de programas formativos organizados em conjunto com o CENJOR e as instituições de ensino superior. A este propósito, importa referir que a distribuição do Fundo de Apoio ao Jornalismo pelos media devia ter como primeiro critério o número de jornalistas em cada redação. E neste ponto devo referir que é fundamental alterar o acesso à profissão, exigindo um curso superior no campo do jornalismo, seja uma licenciatura em Ciências da Comunicação ou um mestrado em jornalismo para outros licenciados.
P – Os portugueses manifestam grande confiança nos jornalistas, mas leem poucos jornais, são mesmo o povo que lê menos jornais na Europa, porque será que os portugueses não compram e não leem jornais?
R – As razões são históricas. Para não estar a enumerá-las, recomendo vivamente a leitura do artigo “Superar uma debilidade congénita” que J-M. Nobre Correia publicou no jornal “Público” de 18 de janeiro.
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JOÃO CANAVILHAS
Professor universitário e investigador em Comunicação na Universidade da Beira Interior (UBI)
Idade: 57 anos
Naturalidade: Montargil
Profissão: Professor na UBI
Currículo (resumido): Doutor em Comunicação, Cultura e Educação; Professor associado e investigador no Labcom; Aprendiz de atividades agrícolas e observador de curiosidades
Livro preferido: Não tenho “um” livro preferido. Se falarmos em autores posso referir Kafka, Gabriel García Márquez, Cormac McCarthy, Woody Allen ou Mário Zambujal
Filme preferido: Também não é fácil escolher um, por isso refiro uma obra que me ficou na memória: “Brazil, o outro lado do sonho”, de Terry Gillian.
Hobbies: Colecionador de garrafas antigas e de novas tecnologias da comunicação.