Quem olhar para 1936 pelos olhos de Charlie Chaplin adivinha que, por imposição daqueles “tempos modernos”, a principal incumbência da escola passaria por formar funcionários. Por formatar gente que automaticamente obedecesse às instruções de um qualquer chefe ao serviço de um patrão qualquer. Nesses tempos, que alguns parecem não perceber que já não são modernos, a cada funcionário apenas era pedido que se deixasse instruir. Coincidentemente, ou não, 1936 é também apontado como o ano do início da massificação do ensino liceal em Portugal. O ano em que o regime vigente, incapaz de deter o aumento exponencial do número de alunos, se vê obrigado a implementar, através de um sistema de exames, um mecanismo de controlo da procura para manter o carácter seletivo do Liceu na formação da elite portuguesa. O mesmo carácter seletivo que hoje, quando a escolaridade obrigatória é de 12 anos, a maioria dos portugueses parece querer que o ensino secundário continue a assumir. Seja completamente assim, seja um bocadinho assim, o certo é que, a cada fim de ano letivo, a sua importância há de recrudescer com a publicação do “ranking das escolas”. Logo, também ninguém estranhará que, passada a Segunda Grande Guerra, ultrapassada a organização do trabalho da primeira metade do século XX, modificado o sistema produtivo, com o Charlie e o Carneiro Pacheco mortos e enterrados e já ninguém estar interessado em funcionários, porque para funcionar existem as belas das máquinas, o bom do seletivo sistema de exames permaneça mais incrustado nos portugueses do que a própria pele. Caso para pensar tiraram-nos a todos do Estado Novo, mas não tiraram o Estado Novo de dentro de todos. Tal como, apesar de cada vez mais virem antecedidos de um “valem o que valem”, também não há quem arranque as listas das posições das escolas, nem o pendor elitista que arrastam consigo desde que as inventaram, do pensamento de muitos de nós.
O Ministério da Educação e a Escola bem podem esfalfar-se, na tentativa de adequar o sistema educativo à exigência dos atuais desafios sociais, que dificilmente conseguirá suplantar a importância dos dez primeiros lugares do ranking das escolas na cabeça de certas pessoas. Bem, conscientes de que nos dez primeiros também é pedir demais, alguns até se contentavam em aparecer nos dez primeiros do “campeonato” distrital. Ou, tão só, ficar à frente da escola do lado na próxima publicação das listas. O princípio da coisa, sabemo-lo bem, é do mais básico que se consiga imaginar: ser o “maior” em qualquer coisa. Quem nunca ambicionou ser o “maior” da sua rua, pode atirar a primeira pedra. Mas, a seguir, não se pode admirar ao deparar com alguém que, do nada, já só ambiciona que a escola da sua rua seja a “maior”. É que, por mais modernos que os tempos se esforcem por ser, na sua rua continua a haver gente para quem só a gente que se prepara para abalar importa. Essa e uma posição, que se veja, no ranking das escolas. Se acharem que para isso pode contribuir a exclusão dos que provavelmente lá quereriam ficar, pois que seja.
No rescaldo do ranking das escolas
“O Ministério da Educação e a Escola bem podem esfalfar-se, na tentativa de adequar o sistema educativo à exigência dos atuais desafios sociais, que dificilmente conseguirá suplantar a importância dos dez primeiros lugares do ranking das escolas na cabeça de certas pessoas. “