Gerir o declínio

“O futuro das aldeias é ir fechando portas”

Sendo certo que Portugal perdeu população, de acordo com os censos de 2021, são os concelhos do interior os que mais sofrem as agruras do despovoamento. O Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT), que noticiámos na passada edição, é a confirmação de que o despovoamento do território está a ser muito mais rápido do que o previsto. Em 24 municípios portugueses a quebra demográfica foi impressionante: perderam mais de 15 por cento da população nos últimos dez anos – previa-se essa quebra até 2030!
Entre os 24 concelhos identificados, encontramos Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel, Manteigas e Trancoso, no distrito da Guarda, e ainda Penamacor, no distrito de Castelo Branco. E se formos ao leque de 126 concelhos identificados com ritmo de queda preocupante teremos todos os concelhos dos distritos da Guarda e de Castelo Branco. Nada de novo. Apenas a confirmação de um estado de abandono e despovoamento do interior do país. E uma espiral de desertificação de alguns concelhos altamente perturbadora – perder população a este ritmo é o fim dos concelhos, tal como os conhecíamos… afinal, «o futuro das aldeias é ir fechando portas». (in “Público”)
Perante esta tragédia demográfica teremos de concluir que as medidas de coesão territorial falharam; que as opções de desenvolvimento territorial não conseguiram inverter a tendência; que o “Portugal profundo” foi há muito abandonado e as estratégias definidas para reverter esta realidade foram erradas.
Com um crescimento negativo e uma taxa de natalidade baixíssima (na Europa, só em Itália se nasce menos do que em Portugal), somos cada vez mais um país de velhos, com o campo abandonado, as vilas moribundas e as aldeias desertas. Os três concelhos que mais população perderam em Portugal entre 2011 e 2021 foram Almeida (menos 18,71%), Figueira de Castelo Rodrigo (menos 17,76%) e Castanheira de Pêra (17,11%) e os mais envelhecidos (o índice de envelhecimento é medido pelo número de idosos por cada 100 jovens, em 2021) foram Oleiros (779,79), Almeida (721,67) e Pampilhosa da Serra (693,33).
Como bem sabemos, os únicos agentes de desenvolvimento da maioria dos concelhos portugueses são as autarquias. E todos os presidentes de Câmara, independentemente do maior ou menor sucesso, têm feito imenso para reduzir o impacto da “fuga” e “inventam” constantemente caminhos para atrair investimentos, emprego, visitantes e todas as formas que possam estancar o despovoamento dos seus concelhos. Mas não é fácil!
Em Almeida, o município tem lutado contra as mais complexas circunstâncias, que vão muito para além das comuns a outros concelhos, como o enfraquecimento de Vilar Formoso, primeiro com o “fim das fronteiras” e agora com a autoestrada que tirou todo o movimento da vila – apostou no turismo, aproveitando a riqueza patrimonial, as termas e, lançando um projeto extraordinário, o museu Vilar Formoso Fronteira da Paz – Memorial aos Refugiados e ao Cônsul Aristides Sousa Mendes, mas, ainda assim, a tarefa de inverter a tendência será hercúlea. Apostas similares estão a fazer concelhos como o de Pinhel ou Figueira de Castelo Rodrigo, que, para além da aposta no turismo, têm também na agricultura, e em especial no vinho, uma opção relevante. Ou em Trancoso, onde o vinho, a castanha ou a indústria de fumeiro permitem a sobrevivência económica, mas não impedem a fuga dos mais jovens por falta de oportunidades. Na Guarda, a grande esperança são o Comando das UEPS da GNR, a COFICAB e pouco mais, mas ainda assim uma réstia de esperança numa cidade que vive do funcionalismo público e cujo concelho não tem, nem terá, como sobreviver se a cidade não conseguir gerar riqueza e emprego. Se Foz Côa é uma ilha cultural e o turismo pode dar algum futuro a pequenas unidades por toda a região, faltam algumas âncoras que permitam que os jovens fiquem e o futuro seja mais do que uma reserva “natural” à volta da Serra da Estrela.
A rede de ensino superior, politécnicos e universidades, foi a grande medida de desenvolvimento do país como um todo, levando ciência, conhecimento, formação e emprego a todo o país, mas depois disso ainda não conseguimos aplicar nenhum outro programa de coesão territorial com sucesso. Os laboratórios corporativos (como o da Mêda), que este governo tem implementado, são uma boa medida, mas ainda sem impacto. As comunidades intermunicipais têm falhado na sua missão de promover o desenvolvimento integrado dos respetivos territórios, mas são uma arma importantíssima para contribuir para a mudança regional – a mobilidade é um dos maiores problemas do interior e, na região, quem não tem carro tem imensas dificuldades para se deslocar, por isso o financiamento público de milhões, que as CIM vão entregar às empresas de transportes para manterem as carreiras, mesmo quando vão vazias. Num tempo em que o país está cheio de turistas, o Portugal profundo não consegue receber visitantes em número relevante e os “nómadas digitais” continuam a ser uma miragem sem impacto social e económico na sociedade local.
O futuro é agora, e não há tempo para olhar para trás. Como escreveu um dia Ana Abrunhosa, precisamos de saber gerir o declínio pois nem tudo é recuperável e onde já não há vida é improvável que a venhamos a ter, mas podemos e devemos assumir que não faz sentido continuar a gastar recursos onde não há futuro e canalizar todo o investimento para o que ainda possamos salvar.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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