Já percebemos todos que a pandemia, a luta contra as alterações climáticas e a guerra, na sequência das crises do “sub-prime” e das dívidas soberanas não foram boas para a economia. A expetativa de crescimento eterno e de melhoria das condições de vida de todos apenas podiam ser garantidos por quem acredita em milagres. Tenho más notícias: não há milagres e vamos todos perder qualidade de vida. Tudo é mais caro, os salários não podem crescer senão à custa do encerramento de muitas empresas e do aumento da taxa de desemprego e a inflação não depende de nós.
Podem todos prometer este mundo e o outro, mas ninguém poderá cumprir promessas dessas. Podem exigir a expropriação dos lucros das grandes empresas, mas não conseguirão com isso nada, senão a fuga das multinacionais e a perda de mais empregos e receita fiscal. Não há milagre: em tempo de multiplicação de crises, todos teremos de sofrer. Endividamento não é solução, que as taxas de juro vão subir. O aumento de impostos é impossível e ninguém tem uma solução coerente e fiável para tudo isto senão a habitual: aguentem.
Qualquer governo é alvo fácil, como o foram boa parte dos governos que tivemos desde o 25 de Abril. As oposições têm a solução óbvia e fácil de atirar dinheiro para cima dos problemas, de desrespeitar as regras do défice e, no limite, de não pagar a dívida. Quando chegam ao poder lá vem a austeridade, o “não viver acima das posses”, a responsabilidade orçamental e o respeito pelas regras europeias.
Há agora uma diferença. Há 17.000 milhões de euros para distribuir, caídos do céu, ou, melhor, da União Europeia. Quem conseguir distribuí-los tem garantida a governação por muitos anos, o que explica o combate político de 2022 em diante.
A maioria absoluta de Costa é um problema, mas há a esperança da intervenção do Presidente da República na garantia do regular funcionamento das instituições. Lembram-se de Santana Lopes e de como foi defenestrado? Foram casos atrás de casos, uma sucessão de gafes e tropelias que acabaram por esgotar a paciência de Jorge Sampaio e tiveram como consequência eleições antecipadas.
Que tempos agora? Basta ver os noticiários das televisões generalistas para perceber que a comunicação social está a cozinhar António Costa em lume brando, a acumular casos atrás de casos, a vigiar ministros e secretários de Estado, a procurar escândalos e tudo o que seja minimamente desagradável ao Governo.
Os casos de incompatibilidades são apenas isso. A lei geral é clara: juízes e funcionários públicos estão impedidos de decidir em casos em que estejam em discussão interesses próprios ou de familiares (dizem-no o Código de Processo Civil e o Código de Procedimento Administrativo). No caso dos titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos a regra é semelhante: não podem intervir em processos em que intervenham familiares próximos ou em empresas de que tenham sido sócios, eles ou esses familiares, nos três anos anteriores ao início de desempenho de funções. Atenção que essas empresas não podem ser impedidas de concorrer a fundos, subsídios ou contratos – isso violaria o princípio da igualdade. No fundo, a solução legal é simples e compreensível: os decisores não podem colocar-se em risco de suspeição.
O argumento de quem criou o caso foi outro e bem maldoso: “mas alguém acredita que, mesmo que o caso seja decidido por outro ministro ou outro dirigente, este não será influenciado pelo ministro que se tenha declarado impedido”. É uma visão bem pessimista da natureza humana e que diz muito sobre quem a tem, mas que foge às questões verdadeiramente importantes: a candidatura da empresa de um familiar do ministro é válida e merece provimento? O ministro tomou alguma decisão no procedimento?
Não sabemos. Sabemos da urgência de novas eleições para boa parte do país político e sabemos do interesse de muitos em triturar ministros sem se comprometerem com nada em concreto. É verdade também que a levarmos até às últimas consequências o regime de incompatibilidades teremos mais tarde ou mais cedo, como consequência, que apenas os provenientes de famílias exclusivamente de funcionários públicos podem chegar ao Governo.
A máquina de queimar ministros
“A maioria absoluta de Costa é um problema, mas há a esperança da intervenção do Presidente da República na garantia do regular funcionamento das instituições”