Maternidades

“A maternidade da Guarda está a ser fragilizada e destruída por dentro, não por falta de qualidade ou técnicos, mas porque há interesses e tomadas de posição incompreensíveis.”

Há três semanas, a Rádio Altitude antecipava que a comissão para a reorganização das urgências obstétricas ia entregar ao Governo as conclusões do estudo e que das três maternidades da Beira Interior alguma teria de encerrar. Então, fez-se silêncio e politicamente o assunto não mereceu grande ruído, nem se procurou conhecer o estudo, as suas conclusões e a respetiva argumentação. Até que a notícia chegou à televisão e, na RTP, é apresentada com uma conclusão precipitada: as maternidades da Guarda e Castelo Branco deverão encerrar de acordo com o estudo entregue ao Governo.
Foi com base no número de partos e na distância entre hospitais, entre outros critérios, que a comissão de especialistas nomeada pelo Governo propôs a concentração das urgências de ginecologia e obstetrícia de seis hospitais do país. Duas situam-se na região Norte – nos hospitais de Famalicão e Póvoa de Varzim —, outras duas no Centro — Guarda e Castelo Branco — e mais duas em Lisboa e Vale do Tejo — Vila Franca de Xira e Barreiro.
O grupo de peritos «identificou seis hospitais onde tecnicamente foi considerado seguro que o bloco de partos e urgência de ginecologia pudessem ser divergidos para outra instituição que ficasse mais perto com base numa série de critérios, como o número de partos, a distância e os cuidados intensivos neonatais», explica o coordenador da comissão, no “Público”, enfatizando que «a decisão sobre encerramentos cabe aos políticos».
Segundo o estudo, as duas maternidades da região Centro sinalizadas – Guarda e Castelo Branco – ficam a menos de 40 minutos de carro do hospital da Covilhã. E as duas urgências debatem-se ainda com uma grande carência de médicos para completar as escalas. Covilhã terá 17 obstetras, Castelo Branco tem cinco, quatro dos quais com mais de 55 anos e que estão dispensados de fazer urgências se assim entenderem.
Algumas destas urgências já fecham intermitentemente, por falta de médicos, como é o caso da da Guarda — que encerrou na passada sexta-feira e voltará a fechar sexta-feira dia 21 e na sexta-feira seguinte, dia 28. Aliás, é muito estranho que aos sábados e domingos haja médicos disponíveis para a escala, mas à sexta-feira não. E mais estranho que a Guarda encerre e que Castelo Branco com menos obstetras nunca tenha encerrado… Olhando para os dados oficiais (que nos foram remetidos pela ULS Guarda): o serviço de Obstetrícia do Hospital Sousa Martins tem 16 Obstetras, 35 enfermeiros, 3 assistentes técnicos e 17 assistentes operacionais; e, já agora, o serviço de Neonatologia tem 11 Pediatras + 5 Internos do Internato Complementar de Pediatria Médica, 12 Enfermeiros, 3 Assistentes Técnicos, 7 Assistentes Operacionais. Olhando de fora parece inacreditável que não se consiga fazer uma escala de urgência diária no hospital da Guarda com 16 obstetras – há razões que a razão desconhece… o que sim sabemos, é que entre as razões da comissão para sugerir o fecho da urgência obstétrica da Guarda está o facto de ela encerrar tantas vezes.
Entretanto, Vítor Pereira, presidente da Câmara da Covilhã e presidente da comissão política distrital de Castelo Branco do PS, sem ruído e sem levantar a voz, discutiu nas últimas semanas o assunto com o Governo e terá recebido «informação fidedigna» de que a Urgência de Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário da Cova da Beira (CHUCB), na Covilhã, não está referenciada para encerrar.
O estudo da comissão foi, aliás, feito a pedido da anterior ministra da Saúde, depois de várias urgências passarem a fechar de forma intermitente por falta de médicos em número suficiente para completar escalas. A conclusão da comissão apresenta sugestões, mas a decisão será política e o eventual encerramento dos serviços de urgência de obstetrícia só será decidido em 2023, mas será inaceitável a possibilidade de isso acontecer na única urgência do distrito da Guarda (seria o único distrito a ficar sem urgência) – mas, entretanto, isso causa um embaraço, preocupação e um stress acrescido para qualquer grávida. A maternidade da Guarda está a ser fragilizada e destruída por dentro, não por falta de qualidade ou técnicos, mas porque há interesses e tomadas de posição incompreensíveis.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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