Nos tempos da “Outra Senhora”, quem quisesse saber o que se passava em Portugal tinha de se socorrer das ondas curtas da rádio. O problema é que não havia muitas emissões em português no estrangeiro e uma delas era a Rádio Moscovo. A propaganda do regime não gostava e por isso fazia passar a ideia de que essa rádio mentia ao falar sobre Portugal. Seriam as “fake news” de então, tempos sem internet e sem possibilidade real de se saber, sem sair daqui, como estava de facto o país.
Hoje, sobre a Ucrânia, há muitos que desprezam as fontes de informação tradicionais, do chamado “mainstream” e procure informar-se noutros lados. O “New York Times” não, que é americano, razão essa que exclui boa parte da imprensa independente (que não será independente, por tributária, dizem, da chamada “narrativa oficial”). O que resta? As redes sociais, claro, as mesmas em que foram cozinhadas as vitórias de Trump e do Brexit. Pelos russos, caso se tenham esquecido.
Há, claro, outra estratégia de procura da informação: procura-se e procura-se até se encontrarem as notícias em que se quer acreditar. Já não se trata de notícias, claro, mas de simples propaganda, mas não interessa uma vez que o objetivo é encontrar argumentos para se poder ganhar uma discussão. Os factos? Como dizia a assessora de imprensa Trump, grande admirador de Putin, todos têm direito aos seus próprios factos, à sua realidade alternativa.
Por isso, porque não interessava a evidência de um país a agredir outro por não aceitar a forma como este geria os seus destinos, se começou a dizer que para além da Ucrânia havia muito mais de que falar, que tínhamos a Palestina, o Iémen e todos os outros conflitos em curso. Era uma forma de dizer que se não podia falar deste assunto sem tratar dos outros primeiro. Depois, que a haver agressão a culpa era do ocidente e da sua estratégia agressiva e militarista.
Quando as pessoas olhavam para eles e neles viam autênticos negacionistas de uma guerra óbvia, injusta e injustificável, que todos estavam a ver entrar-lhes pelas casas dentro pela televisão ou pelos relatos dos seus amigos ucranianos, mudou a estratégia. “Está bem, há guerra, e nunca gostei do Putin”, mas “os ucranianos também não são nenhuns santos”, diziam, num distanciamento cauteloso, mas breve, que logo de seguida veio o resto da artilharia. Começaram a partilhar nas redes sociais histórias sobre o batalhão Azov, sobre escudos humanos, sobre a injustiça de “cancelar” Dostoievski ou Tchekov (e aqui têm razão), recordam as armas de destruição maciça que não foram encontradas no Iraque (falar sobre outras coisas para não falar sobre isto), partilham rumores de corrupção sobre o presidente da Ucrânia (era rico antes de ser presidente), vão buscar a ida do Mário Machado para a Ucrânia como prova nem eles sabem de quê (que caia gloriosamente em combate), publicam tudo aquilo que se mostre minimamente desfavorável à Ucrânia ou aos ucranianos e tudo o que publicam, tudo aquilo em que acreditam podia ser corroborado pelo Putin. De que lado estão?
Rádio Moscovo não fala verdade
” O que resta? As redes sociais, claro, as mesmas em que foram cozinhadas as vitórias de Trump e do Brexit. Pelos russos, caso se tenham esquecido. O que resta? As redes sociais, claro, as mesmas em que foram cozinhadas as vitórias de Trump e do Brexit. Pelos russos, caso se tenham esquecido.”