Casas frias

“A Europa percebeu que precisamos de aquecer as casas e aprovou a eficiência energética no PRR, mas os portugueses ainda não perceberam.”

A Comissão Europeia deverá dar luz verde esta semana ao relatório português sobre o primeiro pedido de pagamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Serão 1.336 milhões de euros, a descontar dos 2.200 adiantados em agosto passado e que representam cerca de 13% dos 16,6 mil milhões do PRR português.
Esta tranche destina-se ao pagamento de 600 mil computadores prometidos ao abrigo do programa da Escola Digital. E que, estranhamente, só uma parte já foi entregue aos alunos, apesar de o pressuposto do acesso ao pagamento passar pela garantia de que até dezembro de 2021 fosse feita a aquisição de todo o material informático – terá sido formalizada a compra, mas só neste trimestre os computadores chegaram às escolas e em muitos casos ainda não chegaram aos alunos.
Mais relevante foi a verba definida para a eficiência energética. A dotação orçamental é de apenas 300 milhões de euros, mas o impacto na vida das pessoas pode ser extraordinário – apesar de quase não se falar do assunto. Num momento em que a guerra na Ucrânia obriga a Europa a rever toda a sua política energética e em que os preços dos combustíveis disparam, com o consequente aumento de todos os produtos, a eficiência energética devia ser a primeira opção para todos.
Portugal é um país com um sol radiante, com um Verão quente e um Inverno ameno. Mas as casas são mal construídas, mal isoladas e com uma eficiência energética nula ou baixíssima. Uma realidade que é ainda mais evidente no interior Norte do país. E em especial em regiões montanhosas, como a nossa: as casas são gélidas no Inverno e quentes no Verão. São construídas em pedra e cimento como há dezenas de anos. O rendimento médio dos portugueses não permite construir a habitação com melhor sustentabilidade e os sistemas de aquecimento são caros – o aquecimento através de lenha continua a ser, como há séculos, a opção (uma amiga espanhola dizia-me que quando passava a fronteira e entrava em Portugal lhe cheirava sempre a fogo, no verão pelos incêndios, no inverno pelo fumo que sai das chaminés).
Um país de sol e calor no Verão, com Inverno ameno, mas com a habitação mais fria da Europa… Por isso, a Europa financia a eficiência energética em Portugal e na Grécia. Porque descobriu que nestes dois países nunca houve um plano para aquecimento dos lares. A Europa implementou há dezenas de anos sistemas de aquecimento central, nomeadamente com recurso ao carvão e aos combustíveis fósseis, que permitem trabalhar e viver em casas devidamente aquecidas – em pleno Inverno em qualquer cidade europeia podemos ir às compras e ser atendidos por pessoas em manga-curta, em lojas aquecidas, enquanto nós vamos tomar um café e ficamos a tiritar de frio… Por isso, o Fundo Ambiental tem hoje uma responsabilidade determinante para a qualidade de vida dos portugueses especialmente no interior do país. E, por isso, há milhares de candidaturas para coisas tão simples como o financiamento de janelas duplas ou aquecimento de água (para a erradicação dessa bomba-relógio, que todos os anos mata dezenas de portugueses, que são os esquentadores) ou o apoio para isolamento térmico de paredes (vulgo capoto) ou a aposta em bombas de calor ou ar condicionado, para reduzir a dependência do fogo (das lareiras e das braseiras que nos dias mais frios continuam a matar por inalação de monóxido de carbono).
A Europa percebeu que precisamos de aquecer as casas e aprovou a eficiência energética no PRR, mas os portugueses ainda não perceberam. De tal forma que o financiamento para aquisição de equipamentos e melhoria das condições térmicas e eficiência energética das casas é de apenas oito por cento do previsto. E o dinheiro para apoiar existe. Seguramente o apoio devia ser maior, devia ser a cem por cento, pois muitas pessoas podem não ter acesso ao financiamento por não ter capacidade para “adiantar” o pagamento ou para financiar a sua componente, mas o mais dramático é a falta de informação, de divulgação e de colaboração, por exemplo, das autarquias para melhorar a eficiência energética, a melhoria das condições de vida nas nossas casas e a redução de custos da energia e a qualidade ambiental. É urgente dizer aos portugueses para aquecerem e melhorarem o conforto das suas casas. A “bazuca” tem de ser mais flexível e os portugueses têm de perceber essa flexibilidade e o impacto que isso pode ter nas suas vidas.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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