Há coisas que nos envergonham. Melhor, que nos deviam envergonhar. O favor, o amiguismo, a cunha, o contornar a lei, fazem parte da nossa forma de ser, de estar, do nosso quotidiano. Todos, sem exceção, lá vamos comentando, num misto de compreensão, espanto e revolta, mas na hora, tudo isto é aceite com grande passividade, encaixando que nem uma luva na tal mentalidade de povo latino do Sul da Europa.
Nesta reflexão natalícia diga-se, em abono da verdade e dos grandes princípios, que ninguém quer viver num país faz-de-conta, do improviso, de mentira, de subsídio dependente, muito menos num país onde a Transparência Internacional nos coloca em 28º lugar no índice da corrupção.
Os contrastes afinal existem e são mais que muitos:
Percentualmente, em todo o espaço europeu somos os campeões de apostas; temos o maior número de telemóveis; compramos mais casas e automóveis de luxo; passamos férias paradisíacas; levantamos milhões num só dia nas caixas multibanco. Depois temos lugar cimeiro no abandono escolar, no consumo de álcool, drogas, tuberculose, sida, assaltos violentos e sinistralidade, levando a dianteira nas benesses a políticos, banqueiros e gestores, os tais que desviam milhões e os colocam em “offshores”, em obras de arte e em investimentos esquisitos, alguns ilegais, mas extremamente lucrativos.
Revés da medalha…
No tempo de vacas gordas, dos anos 90, havia dois milhões de pobres. No final do século continuava a manter-se este número. Em 2010 idem aspas, aspas e, pasme-se, sabe-se agora que em 2020 continuamos a ter os tais dois milhões de pobres. C’os diabos! E já por lá passaram governos de direita, de centro, de esquerda, de arranjinhos, coligações, geringonças, traquitanas e o cenário mantem-se. Por acaso alguém é capaz de explicar?
20% da população é pobre. Na versão do Programa de Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, destacam-se ainda os 5,5 milhões de agregados familiares que entregaram o IRS em que dois em cada cinco vivem com cerca de 800 euros/mês. 10% da população com emprego fixo é considerada pobre e 2 milhões de pensionistas recebem menos de 600 euros/mês. O PIB per capita é o mais baixo de todo o espaço europeu, sendo o nosso país aquele que apresenta maior risco de pobreza.
Se por um lado somos o cantinho, onde a classe dominante e a burguesia consegue vingar e fazer todas as vigarices possíveis, quase impossíveis e inimagináveis, por outro somos confrontados com a triste e miserável realidade que teima em manter-se. Quase meio século depois do 25 de Abril, em que nos foi prometido criar riqueza numa aposta equilibrada de justiça social e, ao que parece…
Eça, escrevia: «Acho admirável a sociedade moderna, a sua política perfeita, a sua indústria magnífica, a sua agiotagem providencial, o seu luxo simpático, a sua retórica florida, a sua arte económica, os seus sonhos de oiro, mas persisto em invejar aqueles que podem contemplar as estrelas, enquanto os bichos sociais se devoram na sombra» e depois, digo eu, a ver quem mama mais para posteriormente serem os mesmos de sempre a pagarem todas as favas.
Neste contraste de todos os contrastes que é Portugal, o meu desejo sincero, é que todos tenhamos um feliz e santo Natal. Votos de Boas festas.
É Natal
“Quase meio século depois do 25 de Abril, em que nos foi prometido criar riqueza numa aposta equilibrada de justiça social e, ao que parece…”