É Natal

Escrito por Albino Bárbara

“Quase meio século depois do 25 de Abril, em que nos foi prometido criar riqueza numa aposta equilibrada de justiça social e, ao que parece…”

Há coisas que nos envergonham. Melhor, que nos deviam envergonhar. O favor, o amiguismo, a cunha, o contornar a lei, fazem parte da nossa forma de ser, de estar, do nosso quotidiano. Todos, sem exceção, lá vamos comentando, num misto de compreensão, espanto e revolta, mas na hora, tudo isto é aceite com grande passividade, encaixando que nem uma luva na tal mentalidade de povo latino do Sul da Europa.
Nesta reflexão natalícia diga-se, em abono da verdade e dos grandes princípios, que ninguém quer viver num país faz-de-conta, do improviso, de mentira, de subsídio dependente, muito menos num país onde a Transparência Internacional nos coloca em 28º lugar no índice da corrupção.
Os contrastes afinal existem e são mais que muitos:
Percentualmente, em todo o espaço europeu somos os campeões de apostas; temos o maior número de telemóveis; compramos mais casas e automóveis de luxo; passamos férias paradisíacas; levantamos milhões num só dia nas caixas multibanco. Depois temos lugar cimeiro no abandono escolar, no consumo de álcool, drogas, tuberculose, sida, assaltos violentos e sinistralidade, levando a dianteira nas benesses a políticos, banqueiros e gestores, os tais que desviam milhões e os colocam em “offshores”, em obras de arte e em investimentos esquisitos, alguns ilegais, mas extremamente lucrativos.
Revés da medalha…
No tempo de vacas gordas, dos anos 90, havia dois milhões de pobres. No final do século continuava a manter-se este número. Em 2010 idem aspas, aspas e, pasme-se, sabe-se agora que em 2020 continuamos a ter os tais dois milhões de pobres. C’os diabos! E já por lá passaram governos de direita, de centro, de esquerda, de arranjinhos, coligações, geringonças, traquitanas e o cenário mantem-se. Por acaso alguém é capaz de explicar?
20% da população é pobre. Na versão do Programa de Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, destacam-se ainda os 5,5 milhões de agregados familiares que entregaram o IRS em que dois em cada cinco vivem com cerca de 800 euros/mês. 10% da população com emprego fixo é considerada pobre e 2 milhões de pensionistas recebem menos de 600 euros/mês. O PIB per capita é o mais baixo de todo o espaço europeu, sendo o nosso país aquele que apresenta maior risco de pobreza.
Se por um lado somos o cantinho, onde a classe dominante e a burguesia consegue vingar e fazer todas as vigarices possíveis, quase impossíveis e inimagináveis, por outro somos confrontados com a triste e miserável realidade que teima em manter-se. Quase meio século depois do 25 de Abril, em que nos foi prometido criar riqueza numa aposta equilibrada de justiça social e, ao que parece…
Eça, escrevia: «Acho admirável a sociedade moderna, a sua política perfeita, a sua indústria magnífica, a sua agiotagem providencial, o seu luxo simpático, a sua retórica florida, a sua arte económica, os seus sonhos de oiro, mas persisto em invejar aqueles que podem contemplar as estrelas, enquanto os bichos sociais se devoram na sombra» e depois, digo eu, a ver quem mama mais para posteriormente serem os mesmos de sempre a pagarem todas as favas.
Neste contraste de todos os contrastes que é Portugal, o meu desejo sincero, é que todos tenhamos um feliz e santo Natal. Votos de Boas festas.

Sobre o autor

Albino Bárbara

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