Reportagem Sociedade

Regressar ao mundo dos vivos após a Covid-19

Escrito por Jornal O Interior

Olindo Silva, taxista e comerciante de Vila Franca das Naves, esteve internado mais de dois meses devido à Covid-19 durante a primeira fase da pandemia, tal como a esposa e o filho, cuja vida regressa aos poucos à normalidade

O dia 28 de março de 2020 vai marcar para sempre a vida de Olindo Silva e da sua família. Foi nesse sábado que o taxista de Vila Franca das Naves (Trancoso), com 70 anos, deu entrada pelo próprio pé no Hospital Sousa Martins, na Guarda. Três dias antes tinha sentido algumas dores pelo corpo e fraqueza, a febre veio depois e preocupou-o ao ponto de ir ao médico de família, que o aconselhou a contactar a linha telefónica Saúde 24.

Olindo Silva foi imediatamente encaminhado para o Hospital da Guarda para ser examinado e o diagnóstico chegou pouco depois: estava infetado com Covid-19. A situação agravou-se por ser doente de risco devido a um histórico clínico que não era o melhor: «Fiquei em pânico. Já tinha problemas com os diabetes e era doente cardíaco», lembra, adiantando que tudo isto levou a que tivesse de ser sujeito a um coma induzido. «A minha esposa é capaz de lhe explicar melhor o que se passou do que eu porque não me lembro de mais nada», acrescenta o taxista, que chegou a pensar «no pior». «Foi muito complicado gerir tudo. A partir do momento que ele ficou no hospital e eu e o meu filho em isolamento, liguei às distribuidoras para cancelarem as entregas da papelaria até ordens contrárias», explica Matilde Silva, de 71 anos, que também acabou por ficar infetada, tal como o filho Paulo Silva, de 45.
«Estivemos hospitalizados durante sete dias, mas apenas por precaução», começa por dizer a esposa, que só foi diagnosticada com Covid-19 12 dias após o marido e depois de testar negativo a um primeiro teste. «Os sintomas que tive foi a perda do olfato, tonturas e sentia um aperto no peito. Foi aí que o meu filho Paulo chamou os bombeiros e testei positivo à Covid-19», recorda. Por também ser considerada doente de risco, Matilde Silva ficou internada no Sousa Martins juntamente com o filho. A família Silva estava a viver um dos seus piores pesadelos. «O meu marido estava nos cuidados intensivos sem ninguém nos dar notícias porque não havia boas informações para dar. O que nos diziam é que estavam a fazer o que era humanamente possível», recorda, emocionada, a mulher de Olindo Silva, que nessa altura já receava o pior. No entanto, após 20 dias nos cuidados intensivos, e contra todas as expectativas, nomeadamente médicas – «Estou convencida que até eles perderam a esperança», confessa – o marido recuperou e deixou aquele serviço passando para área reservada à Covid-19, onde permaneceu até testar negativo ao coronavírus.

Mas o calvário não tinha terminado. Olindo Silva ainda esteve oito dias no serviço de Pneumologia antes de ser transferido para a Casa de Saúde de São Mateus, em Viseu, onde a sua recuperação, essencialmente da massa muscular, foi acompanhada durante o mês de maio. «Perdi 21 quilos enquanto estive internado nos cuidados intensivos. Uma das grandes consequências da doença foi a perda de massa muscular», relata Olindo Silva, que só regressou a casa a 29 de maio. Também a esposa esteve em isolamento um mês e meio, enquanto o filho ficou dois meses. A partir desse momento foi «fazer a recuperação lentamente e tentar voltar à rotina», adianta Matilde Silva, que tem a seu cargo uma papelaria em Vila Franca das Naves. O casal relata a O INTERIOR que «os negócios foram afetados» por causa da doença e que «ainda hoje há pessoas que evitam entrar na papelaria por acharem que o vírus ainda cá está». Mas os dois concordam que a falta de clientes no início até foi uma mais-valia, porque assim conseguiram acompanhar o regresso à normalidade com a mesma intensidade que demorou a recuperação da família.
«Além de ter algumas dificuldades na mobilidade por causa da musculatura, também sentia algum cansaço numa fase inicial», descreve Olindo Silva. Mas ambos valorizam que «o contacto com as pessoas amigas e os clientes que sempre tivemos foi fundamental para a recuperação e o equilíbrio mental». No que toca ao acompanhamento que todos tiveram a partir do momento que regressaram a casa, dizem que «tem sido feito dentro dos possíveis», sendo que no caso de Olindo Silva, devido ao seu quadro clínico delicado, o acompanhamento tem sido mais presente por parte do serviço de Pneumologia do Sousa Martins. «Já fiz TAC, provas de marcha e tenho feito análises, esse tipo de apoio não tem faltado», afirma.

«Se há coisa que enalteço é que o pessoal clínico na Guarda é espetacular, os serviços Covid-19, os médicos, enfermeiros, auxiliares, foram todos espetaculares e na Casa de Saúde de São Mateus também foram fantásticos. Todos me trataram como se fosse da família. Eu saí de lá com lágrimas nos olhos e algumas delas também se despediram de mim de lágrimas nos olhos. Só gostava de lá voltar para os abraçar», adianta, comovido, o taxista vilafranquense. O mesmo agradecimento faz Matilde Silva. «Só quem lá passa pode ver e apreciar realmente o esforço que eles fazem porque está ali a viver-se entre a vida e a morte», sublinha. «Andava aqui meio sonâmbulo e agora já não. Tenho feito a minha vida completamente normal. Estou uma máquina!», exclama Olindo Silva, que hoje transborda vontade de viver. «Aquilo que me contam é que houve mesmo um milagre», afirma Olindo Silva.

Carina Fernandes

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Jornal O Interior

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