As palavras de João Miguel Tavares ainda ecoam no ar. Entre os que gostaram muito e os que consideraram lamechas ou pobre o discurso do presidente da organização das comemorações do Dia de Portugal, houve um mundo de pessoas que ouviram e comentaram a intervenção do jornalista no dia 10 de Junho. Há muito que uma intervenção, vinda de fora do “sistema”, não merecia tanta atenção e comentários (mais impacto inclusive que a de Sampaio da Nóvoa, em 2012, que levou o antigo reitor da Universidade de Lisboa a ser candidato à Presidência da República).
O Diogo Cabrita, médico e cronista de O INTERIOR, considerou que nasceu uma estrela e que as consequências da intervenção de João Miguel Tavares terão de ir muito para além da cerimónia, porque as pessoas precisam que venha alguém de fora do “mainstream” intervir e contribuir para a mudança. E que «apoucar e amesquinhar, ofender ou “tresler” um texto sem mácula é típico dos militantes engajados e redutores».
Este sentimento, em especial na direita e no centro, mas também entre todos os que não fazem uma militância «engajada e redutora», é uma lufada de ar fresco. E porque são palavras que, merecendo mais ou menos concordância, têm que ver com o sentir das pessoas, abandonadas, sem alternativas, sem futuro, sem caminho…
Aqueles que às terças, quintas e sábados lemos atentamente João Miguel Tavares na última página do “Público” sabemos bem do que fala o jornalista natural de Portalegre. E conhecemos as razões que o levaram a dizer aquelas palavras agora tão elevadas e comentadas. Na verdade, há anos que o jornalista escreve sem rodeios sobre a corrupção e a irresponsabilidade da classe política. Há anos que escreve de forma desassombrada sobre o oportunismo reinante nos partidos; sobre o amiguismo e a “cunha” cultivados nas jotas e promovidos entre os “eleitos” que ocupam os lugares da administração pública enquanto vão distribuindo lugares e prebendas entre os apoiantes. Não há nada de novo, neste contexto. E pode haver quem veja “populismo” ou exagero nas palavras que soaram em Portalegre, mas o que há é a repetição do que há muito o próprio vem escrevendo e que tantos têm procurado denunciar: chegámos aqui porque os partidos criaram um monstro, de interesses e negociatas, e, por isso, o que mais queremos é «alguma coisa em que acreditar» quando a mentira, a irresponsabilidade e a falta de vergonha ocupam todo o espectro público. «A falta de esperança» e termos «de ser pessimistas para depois sermos lúcidos» é precisamente a consequência dessa realidade. Quando a maioria dos portugueses não vota, nem quer ouvir falar de partidos e políticos; quando os jovens olham para os que andam nas jotas com desconfiança; quando os cidadãos sentem cada vez maior repulsa pelos dirigentes partidários; e quando os portugueses viram as costas aos políticos e à política é a democracia que fica em causa. Quando o líder da oposição, no momento em que o país está à beira do caos nos transportes, na educação ou na saúde, o que tem para nos dizer é que os votos em branco devem contar e reduzir eleitos na Assembleia da República; ou quando a geringonça governativa se esgota e em vez de debater o futuro da Europa, a qualificação dos portugueses, as alterações climáticas ou a emigração dos jovens como alternativa, prefere contar espingardas e olhar para a aritmética dos votos, pois claro que as novas gerações não terão muito em que acreditar. E quando vemos que os dirigentes que nos deviam guiar querem é saber do seu lugar e do lugar dos seus; querem é receber as mordomias do Estado e assegurarem reformas milionárias e rendimentos chorudos, pois claro que os portugueses escolhem não votar, escolhem não ser cúmplices desta balbúrdia e roubalheira. E escolhem aplaudir quem chega de fora e diz que todos contamos e todos queremos ter alguma coisa em que acreditar.