O calor e a idade

Escrito por Diogo Cabrita

Vem por aí a canícula. O calor vai dilatar os corpos, encher as fontes de gente, despertar a vontade de mergulhar nos rios, desejar janelas abertas, reduzir a roupa, embelezar de corpos trabalhados os passeios e as praias. Vem por aí o fogo, o arrasador cumpridor de destinos, o maior limpador de florestas de que há memória, a força aterradora das labaredas. Podemos ter o diabo em forma de gente morta, de florestas destruídas de casas ardidas. O Diabo não se cansa, como Deus nunca fala. São constantes seguras: uma tragédia lá vem lá vem, uma reza nunca desperta uma conversa. Do silêncio e da fé nascerá a ideia de termos sido ouvidos e a força de pedir e agradecer.
Hoje sei que vem canícula e labaredas para o verão. Sei também que virão dias consecutivos de mais de 43 graus. O nosso corpo dorme mal se a temperatura exterior é maior que a dele. O vento e a brisa quente não melhoram o quarto e por isso nus nos deitamos e descobertos nos expomos. Seriam tempos de sexo e paixão se não fosse desagradável tocar alguém com tanto calor. Vem aí a necessidade de os velhos e os doentes se protegerem, assim houvesse com que pagar os equipamentos e a EDP. Talvez funcione melhor o insolvente Siresp que António Costa assinou e projetou com Zeinal Bava. Talvez não precisemos ouvir diariamente o Jaime Soares e a sua boçalidade nas televisões. Talvez o tempo engane a previsão.
A verdade é que a realidade é sempre pior e mais intensa que a imaginação e por esse motivo morrerão milhares de idosos este Verão, reduzirão populações do interior e pagaremos menos pensões no Inverno. Um Portugal onde mais de três idosos por trabalhador e onde mais de 30% dos trabalhadores estão no Estado é um Estado a arder, um Estado a caminho da canícula. Um trabalhador privado tem de produzir impostos para pagar escola, saúde, justiça, educação, dívidas bancárias, crédito malparado, salários do sector público. As exportações têm de compensar os gastos do Estado, os custos com todas as coisas que entendemos serem de justiça distribuir por todos, mas que carecem de sustentação se não houver políticas de redução de custos, de melhoria de construção de proventos.
Este Verão haverá fogos. Este Verão secará ribeiras. Este Verão brotará menos fruta. Este Verão matará muita gente. As instituições que esperam equipamentos verão morrer doentes com a falta de ar condicionado, verão dias de racionamento de água, ouvirão mandar desocupar as piscinas. Preparem-se para a canícula e a sua duração. O calor do deserto vem bater-nos à porta e se calha devíamos trata-lo como merece, roupa de árabe, vestimenta adequada e casas acondicionadas. Cheira-me que não teremos dinheiro para nos proteger.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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