Hoje a Candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura defende junto do júri europeu o seu projeto, com o objetivo de passar à fase seguinte da seleção da cidade portuguesa que, em 2027, ostentará o título e a dinâmica dessa capitalidade. Como tantas vezes aqui relevei, a Candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura 2027 foi um desiderato assumido pela comunidade da maior relevância para a Guarda e para a região. Coletivamente, poucas foram as propostas tão unânimes como a Candidatura à capitalidade cultural. A Cultura tem essa vocação e só a cultura pode impor a metamorfose destes territórios.
Foi precisamente isso que na passada sexta-feira procurou sintetizar Pedro Gadanho na apresentação do dossier da candidatura na Guarda (cinco dias antes de o fazer perante o júri europeu). O diretor-executivo da Guarda2027 recordou os princípios orientadores da proposta – alterações climáticas, diáspora e emigração e demografia – enquanto, como um alquimista, contruía um novo conceito determinante para o futuro regional, o de “Re/Genarações-Uma Metrópole Rural”. Mas se no Centro Cultural de Belém, hoje, o júri europeu observará atentamente os diferentes pormenores do dossier e avaliará o seu relevo no contexto de uma capitalidade europeia, o “ensaio-geral” no TMG, na passada sexta-feira, para além do conteúdo do dossier a revelar ao júri internacional, permitiu perceber alguns elementos constituintes e o ambiente em que vive a Candidatura.
«O Apelo do Interior» é um «projeto regional, participado por 17 municípios, que pretende desenvolver a Beira Interior a partir da sua dimensão cultural». Este é um empreendimento «de todos e para todos». Que conquistou para a Guarda uma capitalidade ímpar que não podemos abandonar. Nunca outro projeto uniu e agregou tantos à volta da Guarda como este – e ainda o Politécnico da Guarda, a Universidade da Beira Interior, a Universidade de Salamanca, a Diocese da Guarda, e a que se juntaram os municípios espanhóis de Ciudad Rodrigo e Bejar e institucionalmente a Comunidade Autónoma de Castela e Leão. Todo um território, unido à volta da cultura. Todo um território que confere à Guarda uma capitalidade que nunca teve ao longo dos seus mais de 800 anos de história (além de capital diocesana). Todo um território que assumiu a Guarda como capital cultural.
É todo este desiderato que está em análise. Que merece passar à fase seguinte pelo seu passado, pelo seu património histórico e cultural, pela natureza e pelo ambiente, pela cultura popular e sonho alimentado por pessoas extraordinárias como Vergílio Ferreira ou Eduardo Lourenço, pelo Museu do Côa ou as judiarias, pela ideia, pelo desafio e pelo caminho percorrido – estranhamente alguns destes ícones estão ausentes do dossier e, supostamente, por coerência, deveriam ser os signos mais representativos. Mas o “ensaio-geral” foi muito mais do que a descoberta do dossier a apresentar. Foi o desvendar da “Metrópole Rural” e foi o assistir a um pequeno filme sobre a região, retrato de modernidade, do que queremos ser, contemporâneo, simbólico, carregado de tradição e vanguarda, bem musicado, intenso e que nos projeta no futuro, muito para além da própria candidatura. Mas que a Guarda e a região, ausentes, não abraçaram. Como salientou Álvaro Amaro (em declarações exclusivas a O INTERIOR e Rádio Altitude), ele próprio presente, mas esquecido (enquanto promotor da ideia), o maior projeto regional não conquistou os cidadãos – os mesmos que protestam todos os dias pelo atraso e pobreza a que estas terras foram votadas a partir do Terreiro do Paço, mas que não compareceram para conhecer a ambição da candidatura, as suas referências e o projetar do nosso futuro coletivo. Mas se é grave este desinteresse das pessoas para com aquele que é ou poderia ser o maior projeto das suas vidas, das nossas vidas, inacreditável é o divórcio dos líderes da região para com a Candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura. Apenas dois presidentes de Câmara (além do da Guarda) e meia-dúzia de vereadores a representar os 17 municípios envolvidos; a inaceitável ausência do presidente da CIMBSE; o desinteresse dos parceiros, ausentes e pouco acarinhados pela Câmara da Guarda; uma sala quase vazia e que deveria estar cheia para aplaudir as palavras sensatas de Teresa Patrício Gouveia (Presidente da Comissão de Honra da candidatura); e a confirmação de que a postura ziguezagueante de Sérgio Costa em relação ao projeto levou a um completo desinteresse de elites, parceiros, autarcas e cidadãos. Se o maior desiderato da Guarda não merecer aprovação internacional não será por falta de substância, falta de evidência de produção cultural ou ambição, será pelo livre-arbítrio do júri e será por falta de liderança, falta de perceção do que é importante pelos signatários e falta de interesse dos nossos autarcas. Volta Amaro, estás perdoado…
Uma Metrópole Rural
“Se o maior desiderato da Guarda não merecer aprovação internacional não será por falta de substância, será pelo livre-arbítrio do júri e será por falta de liderança regional”