Uma empresa municipal?

“(…) não me posso inibir de pensar que estes constantes episódios de não aproveitamento das oportunidades que o poder central oferece ao poder local indiciam uma grave falta de racionalidade programática e de atenção institucional aos programas que vão surgindo e que sempre constituem oportunidades que o município não deve desperdiçar, como, infelizmente, parece já ser a regra.”

Há poucos meses manifestei aqui, em artigo (12.02.2023), o meu espanto e desagrado por a Guarda, a capital do distrito, não ter aproveitado o programa de renda de habitação a custos controlados, sendo o segundo município a candidatar-se com valores mais baixos. Sendo o segundo Município com mais eleitores (o primeiro é a Covilhã) na área da CIM Beiras e Serra da Estrela, o valor candidatado foi de 485.000 euros para onze fogos, a integrar no programa. Na altura disse, criticamente, o que tinha a dizer sobre o assunto. Mas o meu espanto é agora ainda maior ao saber que a Câmara aprovou a criação de uma empresa municipal para gerir isso mesmo: um programa de habitação a custos controlados que tem aquela verba como dotação orçamental a cargo do IHRU. Fechado o programa subscrito pelo IHRU, pela CIM Beiras e Serra da Estrela e pelos 15 municípios da CIM, o valor em cima da mesa é esse e não os 40 milhões (para 325 fogos, nos próximos 3 a 4 anos), que, a propósito da constituição da empresa, foi avançado pela Câmara e que, pelo que julgo saber, ainda é somente um seu mero desejo.
Eu não sei, não sei mesmo, de onde virão estes 40 milhões visto que o programa está fechado e os recursos financeiros alocados aos municípios que se candidataram, a maior parte envolvendo vários milhões de euros, mas tiro uma primeira conclusão: esta decisão vem dar razão a quem na altura criticou a CMG por se ter candidatado com um valor absolutamente ridículo.
Afinal, o programa é excelente e a Câmara manifesta vontade de o concretizar à grande, com um valor ao nível da sua dimensão e da sua importância. O senhor presidente retirou, pois, as objeções que avançou na altura em que o programa foi lançado e corrige agora, de forma grandiosa, o erro da candidatura de então. E só tenho de me congratular com isso. Reconhecer os erros é sempre mais positivo do que persistir neles. Mas de onde virão esses recursos, se o programa está encerrado? Virão no caso de outros municípios não executarem as verbas a que se candidataram? Mas, se assim for, não creio que isso possa acontecer – se puder mesmo acontecer – antes de o programa fechar, em 2026. Há algum outro programa que o IHRU (com a CIM) tenha aberto? Esse acordo com o IHRU e a CIM a que se refere o documento da Câmara não será simplesmente (como julgo saber que é) um mero desejo tardio de quem não fez o trabalho de casa no momento adequado? Não conheço acordo algum e até julgo que nada há, para além de uma minuta da Câmara redigida por ocasião da apresentação da proposta da empresa municipal. Daqui, uma nova pergunta: por que razão tanta pressa em constituir uma empresa municipal se no horizonte mais próximo não se vislumbram os recursos anunciados? A posição do PS sobre este assunto da empresa municipal é de rejeição pela simples razão de que no estado atual do programa, com o financiamento previsto, não faz mesmo sentido aumentar a despesa da Câmara com um novo organismo para tão insignificante verba.
Desconheço, como disse, a fonte destes recursos, mas talvez seja por limitação minha. E acrescento que ficarei feliz se o município conseguir arrecadar esta verba e implementar o programa. Aí, então, o PS tomará em séria consideração a possibilidade de se criar uma empresa municipal para esse fim. Como estão as coisas neste momento não parece ser sensato embarcar nos desejos extemporâneos do Senhor Presidente da Câmara.
Finalmente, não me posso inibir de pensar que estes constantes episódios de não aproveitamento das oportunidades que o poder central oferece ao poder local indiciam uma grave falta de racionalidade programática e de atenção institucional aos programas que vão surgindo e que sempre constituem oportunidades que o município não deve desperdiçar, como, infelizmente, parece já ser a regra. Ainda assim, continuo a pensar que o programa de habitação a custos controlados é um bom programa e espero, sinceramente, que a Câmara consiga concretizar o seu desejo. Cá estaremos para acompanhar o desenrolar de todo o processo.

* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo eleitoral da Guarda e presidente da concelhia do PS da Guarda

Sobre o autor

António Monteirinho

Leave a Reply