Um ecossistema em perigo de extinção

Escrito por Hélder Sequeira

“O recente Festival do Cobertor de Papa, realizado na localidade de Maçainhas de Baixo (Guarda), alertou a comunidade regional para o risco de extinção de um ecossistema enraizado nestas terras beirãs.”

O recente Festival do Cobertor de Papa, realizado na localidade de Maçainhas de Baixo (Guarda), alertou a comunidade regional para o risco de extinção de um ecossistema enraizado nestas terras beirãs.
O cobertor de papa é uma manta tradicional da zona da Serra da Estrela, produzida – há vários séculos – a partir da lã churra (mais macia) que é retirada de ovelhas autóctones (ovelha mondegueira).
Após o necessário tratamento, a lã é tecida em teares artesanais e de acordo com métodos tradicionais, associando cores e desenhos com perfil diferenciador. O processo termina com o esticar dos cobertores nas “râmbolas” onde secam, ao ar livre, e adquirem o seu aspeto final.
Existem o cobertor branco com três listas castanhas, a manta barrenta ou manta do pastor, a manta lobeira ou manta espanhola, o cobertor branco, o cobertor bordado à mão e o cobertor de papa em várias cores (com o seu conhecido pelo comprido).
O seu uso não se fica apenas pela utilização como elemento de conforto térmico (na cama, o seu pelo denso e pesado facilita a transpiração durante o sono e puxa a humidade para a superfície exterior do cobertor), mas passa também por distinto complemento de decoração de interiores.
A Associação Genuíno Cobertor da Papa, sediada naquela localidade, tem nos seus objetivos a produção daquele autêntico produto e a garantia da sua autenticidade, estando atualmente empenhada em alcançar a certificação daquele cobertor. O declínio da indústria da lã e o surgimento de fibras sintéticas originaram um cenário onde quase se desenhou a sua extinção.
O processo de certificação – em curso – exige, obviamente, muito trabalho e as indispensáveis verbas, incompatíveis com os recursos financeiros daquela associação, como, aliás, foi sublinhado no decorrer do festival anteriormente mencionado.
Elisa Pinheiro, que desenvolveu trabalhos de pesquisa sobre o cobertor de papa, assinalou-o como «produto final de um longo processo que plasma uma densidade de memórias, sejam elas as dos homens que os produziram, sejam daqueles que, ao longo dos tempos, os consumiram, uns e outros unidos pelos fios de lã que os teceram, num tempo longo da nossa história dos lanifícios», sublinhando o seu enquadramento «em práticas ancestrais que importa salvaguardar». Deste modo, é urgente preservá-lo, defender a sua autenticidade, a par de permanentes ações de valorização e promoção.
Este não é um trabalho simples, pois há que equacionar múltiplas realidades e condicionantes, como sejam a necessidade da existência de mais rebanhos de ovelhas autóctones – o que implica olhar com objetividade para a realidade agrícola, para as dificuldades relacionadas com a criação e alimentação dos animais, para o número de pessoas que se dedicam ao pastoreio e ao ciclo da produção de queijo, para as consequências das alterações climáticas que têm condicionado as áreas de pastagens e aumentado as dificuldades ao nível económico/financeiro – , mais gente a trabalhar no campo e a saber valorizar/rentabilizar as potencialidades endógenas, uma maior consciencialização de todos no que concerne à qualidade e valor dos nossos produtos regionais, optando pela sua compra e incrementando a economia local/regional.
O incentivo e apoio a projetos (como este da revitalização do genuíno cobertor de papa, cuja produção é feita, naturalmente, numa escala consentânea com a dimensão dos recursos atuais, e em função da evolução do número de encomendas) não devem ficar apenas pelas amáveis palavras de circunstância, pelas manifestações de simpatia nas redes sociais ou pela presença (também importante, claro) em ações de sensibilização ou divulgação.
É fundamental o apoio das entidades em cuja área de competência ou influência se pode inscrever a ajuda necessária (e justa), a ação dos media na informação e divulgação dos produtos genuinamente regionais, a necessária transmissão aos mais jovens do saber fazer, o envolvimento da investigação académica, uma atitude ativa dos consumidores na preferência daquilo que tem alta qualidade e matriz tradicional e portuguesa.

Sobre o autor

Hélder Sequeira

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