Cá estamos

“Esta semana, um dos recém-chegados às terras lusas perguntou-me em modo de etnocuriosidade o que eu destacaria como características fundamentais do povo português. Respondi, “O povo português? Não sei, não costumo frequentar.””

Todos os semestres, milhares de alunos europeus do ensino superior rumam para outros países, na experiência Erasmus de estudar numa universidade estrangeira. Para os alunos portugueses, é uma óptima experiência que lhes permite conhecer alguns dos países para onde terão de emigrar depois de terminarem a sua formação. Para os alunos estrangeiros, é uma óptima oportunidade de irem conhecendo os portugueses, de quem serão colegas de trabalho nos seus países de origem daqui a uns anos. Mesmo para os alunos portugueses que não fazem mobilidade, é uma excelente possibilidade de estabelecer contactos para mais tarde conseguir um bom emprego no estrangeiro.
Tendo a cargo uma disciplina em inglês para estudantes de mobilidade, todos os semestres vou conversando com os alunos que chegam à Beira Interior, de várias partes da Europa, e até de outras origens no mundo. Regularmente, vou perguntando as suas impressões acerca de Portugal.
Quando alguns jovens chegados de África ou da América do Sul, pouco experimentados com a geografia humana, dizem que têm muita vontade de estudar na Europa, pergunto cautelosamente, “então, por que razão é que não foste?”
Os alunos vindos de latitudes mais setentrionais costumam apontar três grandes distinções entre a cultura mediterrânica e as suas experiências culturais domésticas: o incumprimento sistemático dos horários, a que também se aculturam rapidamente; a aproximação física nos cumprimentos, nomeadamente a moda dos beijinhos, que nem o Covid dissipou, e que os deixa à beira da apoplexia nervosa e da queixa por assédio; e a simpatia generalizada das pessoas, constatação repetida semestre após semestre, o que me leva à reflexão sobre a triste condição de ser português em Portugal. Não só recebemos salários mais baixos do que os estrangeiros, como também recebemos menos afagos e menos carinho.
Esta semana, um dos recém-chegados às terras lusas perguntou-me em modo de etnocuriosidade o que eu destacaria como características fundamentais do povo português. Respondi, “O povo português? Não sei, não costumo frequentar.”

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

Leave a Reply