No Sabugal foi apresentado, no passado dia 10 de junho, o livro “Carlos Luiz – o beirão migrante”, da autoria de Paulo Leitão Batista. A propósito desta biografia política, João Soares sublinha, no prólogo, que ela traça a «forma empenhada, cuidada, atenta e solidária como o parlamentar Carlos Luiz representou sempre, ao longo dos seus vários e ricos mandatos parlamentares, quer a nossa emigração, quer os interesses do interior de Portugal».
Paulo Leitão Batista afirma que Carlos Luiz «abraçou a política para defender com garra o homem beirão e o homem migrante, inspirado na sua própria existência de vida e na aventura coletiva do seu povo de origem que, parecendo resignado ao amanho dos agros, passou a salto para a fronteira para ir em busca de melhor fortuna em terras distantes». Refere, igualmente, na nota introdutória que a vida política de Carlos Luiz se centra «em dois planos, que retratam o seu caráter: dedicação às causas dos que o elegeram e prestação de contas do trabalho realizado».
Tivemos o ensejo, a convite do biografado e do autor da obra, de proferir algumas palavras na sessão de apresentação deste livro, o que nos levou a evocar um texto de Augusto Gil (escrito em 1911, na qualidade de jornalista e não de poeta como tradicionalmente é conhecido). «Os homens só valem pelo que de bondade e verdade tragam aos outros homens, porque, uma ou a outra, não caíram nunca em terra estéril, nem mesmo quando tombam na indiferença de rochedos».
Bondade e verdade são duas palavras que bem se podem utilizar na biografia de Carlos Luíz, para além de outras. Aliás, elas constituem o íman que sustenta o registo da memória, a propósito do nosso primeiro encontro com a personalidade retratada neste interessante e oportuno trabalho de Paulo Leitão Baptista; também ele um sabugalense de alma e coração. Do Sabugal guardo as lembranças e os afetos do período em que ali vivi e estudei. Daí que me sinta grato pelo convite formulado para intervir na apresentação desta obra, sobre um amigo e sobre um convicto beirão migrante.
A propósito desta última palavra, anotamos uma observação de Pinharanda Gomes, ilustre sabugalense e figura relevante da cultura e da filosofia portuguesa. «(…) Na esquina do tempo, e tendo saído da Guarda há muitos anos (parece que temos o destino da emigração) foi-nos concedida a graça de permanecer fiel à mátria».
Carlos Luíz, apesar da sua multifacetada vivência em tempos e lugares tem permanecido também fiel à mátria, a uma terra que é o reflexo da universalidade. E volto ao reencontro com Pinharanda Gomes. Escrevia ele, há algumas décadas: «(…) a nossa região, una no espírito e divisa no corpo, é múltiplo nas almas e nas existências. Somos unos, somos múltiplos. Somos uma terra que tem características de singularidade, e que demora a assumir o que lhe é próprio. Somos um reflexo de universalidade nesta pátria, pequena pátria, coração da Lusitânia».
Carlos Luíz nunca afastou o coração desta pequena pátria, pela qual trabalhou e tem trabalhado; é certo que muitos esforços, nos bastidores, não são conhecidos, mas a sua importância é inquestionável, fundamental. Assim, e remetendo-nos esta publicação biográfica para muitos anos de intenso labor e diversidade de intervenções cívicas, políticas e culturais, o passado não deve ser olvidado.
Marc Bloch afirmava numa das sua obras que «o passado é, por definição, um dado que coisa alguma pode modificar. Mas o conhecimento do passado é coisa em progresso, que ininterruptamente se transforma e se aperfeiçoa». Acrescentava, dentro desta linha de pensamento, que «a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado».
Ora, este livro evoca um passado, de um cidadão que soube assumir sempre os seus compromissos, com elevado sentido de responsabilidade e liberdade, mesmo em tempo de incertezas. Que hoje também vivemos… Albert Camus falava de cidadãos «impacientes do presente, inimigos do passado e privados do futuro»; lembrava, por outro lado, que «nunca alguém será livre enquanto existirem os flagelos». A pandemia e o atual conflito bélico têm mostrado como a liberdade é cerceada… para não ficarmos privados do futuro e fruirmos da liberdade teremos de, objetivamente, aprender com esta invulgar experiência dos últimos anos, aferindo as necessárias adaptações ao nível da sociedade (globalmente entendida) e no plano individual; definindo prioridades, novas metodologias, fórmulas concretas de cooperação, acompanhadas de um constante exercício de cidadania.
Carlos Luíz tem sido um exemplo e um protagonista de uma cidadania ativa, eficaz, consequente, materializada nos lugares por onde passou. «(…) As pessoas e as ideias, como as árvores, são uma harmonia com a hora e o lugar (…)», escrevia Vergílio Ferreira, para quem «(…) o que mais importa não é o novo que se vê, mas o que se vê de novo no que já tínhamos visto».
E que vemos agora com nova oportunidade, neste livro; sobre uma pessoa que conhecemos na década de 80, aquando da passagem do Carlos Luiz pelo Governo Civil do Distrito da Guarda, como adjunto de João Gomes (o então Governador Civil).
Logo nessa altura foi possível percebermos estar perante um homem que cultivava a diferença; cordial, atento, entusiasta perante as ideias e projetos que lhe eram apresentados. Era o tempo em que desenvolvíamos um projeto informativo consubstanciado no jornal “Notícias da Guarda”; uma publicação que Carlos Luiz acarinhou, apoiou, sentiu como sua e da região; desafiando-nos a implementar novas ideias que alargassem ainda mais o já significativo horizonte geográfico desse periódico.
Mesmo depois de deixar a Guarda, para exercer as funções de deputado (inicialmente), continuou atento à realidade da comunicação social guardense, desde logo também à Rádio Altitude.
Nas funções diretivas que tive nestes dois órgãos de informação, e nos múltiplos e diferenciados contactos ao longo dos anos, Carlos Luíz foi sempre um excelente interlocutor, demonstrando um elevado respeito pela função social da rádio e do jornal, aceitando o confronto crítico, sabendo esclarecer e dialogar com inequívoca serenidade.
Teria, necessária e justamente, de deixar aqui este testemunho. «(…) Porque – dizia Vergílio Ferreira – a verdade das palavras não está só na sua verdade, mas na coerência e no momento em que se dizem». Ao percorrermos a biografia de Carlos Luiz, ao atentarmos sobre o trabalho político desenvolvido, extraímos a sua determinação em afirmar a verdade e a liberdade. «Não há forma de verdade sem liberdade, não há forma de liberdade sem verdade», como observava Pinharanda Gomes.
O exemplo pessoal, político e cultural de Carlos Luiz aponta-nos uma desejada evolução desta mátria. Evolução que terá de contar com a predisposição e disponibilidade de todos, que sintam e vivam a região, independentemente de a sua residência física se aqui ou a centenas de quilómetros de distância.
É que não haverá novas realidades se continuarmos «socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados», na elucidativa expressão de Miguel Torga. Fica o testemunho de profundo apreço por um homem que, dentro ou fora das fronteiras nacionais, tem sido um exemplo de verticalidade, competência, dedicação e um migrante com uma sólida matriz beira. Injustamente esquecido por alguns…
Um beirão migrante
” O exemplo pessoal, político e cultural de Carlos Luiz aponta-nos uma desejada evolução desta mátria. Evolução que terá de contar com a predisposição e disponibilidade de todos, que sintam e vivam a região, independentemente de a sua residência física se aqui ou a centenas de quilómetros de distância.”