Definir a União Europeia é um exercício académico desafiante. Durão Barroso avançou com uma definição que tem tanto de sintética como de assertiva: «Um império não imperialista». “Império” porque há uma absorção da soberania dos Estados-Membros por parte da UE e esta entidade supranacional tem vindo a alargar progressivamente a sua extensão territorial. “Não imperialista” porque essa soberania é cedida de forma voluntária e o alargamento resulta dos pedidos de adesão de novos países.
Fica claro que não é possível definir a UE sem penetrar na mecânica do processo de construção europeia. Este processo opera num circuito fechado e sem fim anunciado. Um pouco como Sísifo e a sua pedra. Mas, em vez do vale da montanha, caminha sobre uma corda bamba, num esforço de equilíbrio constante. Promover o sentimento de pertença europeia, sem beliscar as diversas identidades nacionais e regionais; e aprofundar a soberania das instituições europeias, sem esvaziar ainda mais o poder de decisão dos Estados-Membros.
Manter o equilíbrio fica ainda mais difícil se adicionarmos a quantidade de desafios que a UE enfrenta atualmente. Os mais problemáticos estão quase todos relacionados com o seu calcanhar de Aquiles: a política externa. De cada vez que a UE tem de dar uma resposta numa matéria crítica de relações externas, a corda tende a estremecer. Os Estados-Membros resistem a abrir mão neste domínio e as posições desconcertadas em momentos geopolíticos de importância capital têm sido a fonte de episódios difíceis de gerir e até embaraçosos.
Foi assim em 2003 aquando da invasão do Iraque pela coligação liderada pelos EUA. É assim agora na reação ao novo episódio do conflito israelo-palestiniano e nas velocidades de reconhecimento do Estado palestiniano. É também assim na intensidade da condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia e no consenso quanto ao apoio militar e financeiro a conceder ao país invadido. De resto, pela quantidade e dificuldade das exigências que traz ancoradas, lidar com a agenda expansionista de Putin poderá muito bem ser uma prova de vida para a UE.
Como o processo de construção europeia não tem, pelo menos de forma explícita, nenhuma meta pré-definida, como uma Federação à imagem dos EUA, por exemplo, podemos concluir que a UE e o processo de construção europeia são, em última análise, uma e a mesma coisa. O dia em que deixarem de se equivaler, todo o espírito que sustenta este empreendimento único na História da Humanidade terá dado lugar a outra coisa qualquer. Recuperando a analogia com o funambulismo: ou o acrobata terá alcançado uma meta; ou terá vindo por ali abaixo.
Em verdade, tal como sucede com o acrobata, para que todos os benefícios do caminho trilhado desde o início do percurso sejam em vão, basta um pequeno passo em falso.
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