Transparência e a imprensa

“A obrigação de divulgar nos jornais locais os concursos, os resultados dos concursos e os resultados dos projetos apoiados pelo PT 2020 estava na lei, garantindo que a informação de interesse público chegaria às pessoas. E que a transparência e o escrutínio eram possíveis. Mas não era cumprida.”

O assunto não teve o destaque merecido, nem foi comentado pela opinião pública por parecer que só diz respeito aos jornais, mas é uma evidência do país que somos: o governo vai acabar com a obrigatoriedade de publicação dos fundos comunitários na imprensa. Os jornais, por pruridos e para não serem acusados de serem advogados em causa própria(!), só deram a notícia e não a relevaram, permitindo o seu rápido esquecimento.
O “Público” de 29 de março destacou-a como “cacha” de primeira página – «Fundos comunitários deixaram de ter divulgação obrigatória nos jornais» em título a toda a largura da capa. Outros jornais, sem tanto destaque, informaram sobre a diminuição da transparência que a medida determinará (ainda que, em bom rigor a maioria dos anúncios não são publicados ou são colocados em boletins paroquiais às escondidas…).
O modelo do PT2030 desvincula o Estado de publicar concursos e resultados de concursos em jornais, nomeadamente na imprensa regional, da execução dos projetos. A publicitação, de acordo com o artigo 39º do decreto lei 5/2023, estabelece que «todas as operações aprovadas são objeto de publicitação no Portal dos Fundos Europeus, no site da Internet do respetivo programa e no Portal Mais Transparência». Com esta medida, a generalidade das pessoas, nomeadamente as que têm proximidade com a execução dos projetos, naturalmente, não acompanham a sua implementação, não a conhecem e não têm acesso objetivo à informação (pois o cidadão comum não vai andar a navegar por plataformas onde estes anúncios irão ser inseridos e onde ficarão “escondidos” para ninguém os ver).
A antiga portaria do PT2020, fixada pelo decreto-lei 137/2014, estipulava que «todas as operações aprovadas» tinham de ser publicadas, «alternadamente, num dos dois jornais locais ou regionais de maior circulação do concelho ou dos concelhos onde a operação é executada, bem como num jornal de âmbito nacional». Na prática, isto raramente acontece. Os anúncios, quando publicados, são quase sempre inseridos em jornais nacionais (de Lisboa ou Porto) e pouco em jornais regionais. Menos ainda nos da nossa região. E nunca em O INTERIOR. A obrigação de divulgar nos jornais locais os concursos, os resultados dos concursos e os resultados dos projetos apoiados pelo PT 2020 estava na lei, garantindo que a informação de interesse público chegaria às pessoas. E que a transparência e o escrutínio eram possíveis. Mas não era cumprida.
Esta mudança levou a algumas manifestações de desagrado, como a do ex-deputado do PS Paulo Trigo Pereira, que considerou que esta «é uma má opção porque o país ainda tem muita população alheada da Internet». O economista acrescentou ainda que «essa informação deveria continuar a vir nos jornais regionais, que têm um papel insubstituível».
Desta forma, o governo passa por cima de todos os pressupostos de transparência, exigíveis e que são regra europeia, mata o direito à informação, a que todos os cidadãos devem ter acesso e essencial em qualquer democracia, e aniquila ainda mais a imprensa e a liberdade de expressão. E domestica a imprensa e a sua capacidade e obrigação de escrutínio. Ou, como muito bem resumiu João Canavilhas, professor da Universidade da Beira Interior e colaborador de O INTERIOR, «é o chamado dois em um: os cidadãos sabem menos sobre a aplicação dos fundos e aperta-se o garrote à imprensa, retirando esta fonte de receitas. E viva a democracia!».

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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