Somos guardenses! Ser guardenses implica saber que não comemos feijão-frade, mas sim chicharos. Que não pedimos uma imperial para brindar com os amigos, mas sim um fino. Que as sandwishs são feitas de moletes, e não de carcaças. E que até ao lavar dos cestos é a vindima. É também no mais puro ato de expressão de comunidade regional que desejamos um “bem-haja”, como quem celebra, e determina, que haja boa-fé entre nós. Isto de ser guardense requer assim que haja certos traços reconhecíveis, que são duráveis e transversais à comunidade, tornando a nossa região uma representação que se aproxima da ideia de berço, local irredutível da nossa interior formação enquanto indivíduos, a nível individual, interpessoal e enquanto comunidade. A região da Guarda é assim “o” local de partilha de um mesmo estado de coisa, de todos, daquilo que somos verdadeiramente. Ser guardense implica saber do, e ter o, estigma da interioridade, e de uma pequenez, face à capital e aos centros de poder. Assim como implica ter o brio de domar o frio do inverno, ou pelo menos saber conviver com ele. Estes traços estáveis, que se apresentaram também como realidade aos nossos antepassados, são símbolos da nossa cultura, fazem parte da nossa noção de ser guardenses. Os geo-simbolos, têm nisso um papel importantíssimo, esses estáveis durante milénios, ou séculos e séculos. Na Guarda temos, o frio, o granito, a natureza envolvente, e a fronteira com Espanha, a exemplo. Assim, a semiotização dos géo-elementos, como a aspereza do granito, ou o frio do inverno, que constroem o ambiente envolvente, numa extensão secular da identidade guardense, fazem parte integrante de um todo que nos une enquanto indivíduos que partilham os mesmos significantes, ou mitemas, esses que são a forma mais reduzida dos indícios que formam o mito guardense (Quando falo em mito guardense não me refiro a algo desajustado, ou errado, pelo contrário, refiro-me à noção, de todos, daquilo que é ser guardense, e que faz parte da nossa expressão, nos usos da cultura). Sem o granito nos campos e na construção das aldeias não seríamos guardenses. Se podíamos acabar com o granito, e continuar a ser guardenses, podíamos, mas não éramos os mesmos guardenses, nem os guardenses que são a nossa história conjunta. Mudava-se por completo a noção de guardense. O granito é também, assim, elemento constituinte da formulação da identidade regional guardense, pois faz parte da cultura regional e está presente nas trocas comunicacionais, intersubjetivas, referentes à região, tal como o frio. E, naturalmente, se a cultura é base da nossa existência comunicional, é óbvio que ser guardense se expressa na nossa linguagem, como indício de pertença. Um mito, por seu lado, raramente se expressa de forma denotativa na comunicação, mas os mitos são omnipresentes na sua forma conotativa. Conotamos, numa segunda instância, na comunicação, os mitos que nos regem, e que são representações conjuntas, matéria, por excelência, da nossa cultura. Na região da Guarda, há assim um mito, que é o mito que nos une, quando olhamos a nossa representação da região e das pessoas, e que, com orgulho e sentimento de pertença, nos faz ter determinadas expressões culturais partilhadas e repartilhadas, escritas e reescritas, contadas e recontadas, ao longo do tempo, no nosso quotidiano. Ser guardense é ter também a natureza como intrinsecamente ligada ao trabalho e ao lazer. Se uns trabalham na lavoura, outros cuidam de animais, ou combatem incêndios, ou passeiam e fazem caminhadas pelos trilhos. Se uns trabalham na cidade, ao fim-de-semana mudam-se para os campos. Ser guardense é estar habituado à oferta de uma alface, de umas cerejas na altura da colheita, de morangos ou batatas, simplesmente por gentileza e cordialidade, quando há excedente na horta. Desse modo, mais que meramente ter nascido na Guarda, ser guardense quer dizer que se tem um carinho especial pelas memórias individuais e coletivas associadas à região e pelo decorrer da vida conjunta no mesmo espaço. Os símbolos partilhados são indício de pertença a uma comunidade única, que é esta – berço do dia-a-dia, presente ou passado. Creio que é até uma obrigação de todos dar a conhecer a região e, do mesmo modo, contar e recontar, o nosso orgulho de sermos Guardenses. É assim, por isso que, embora não tenha nascido na Guarda, digo alto e a bom som, quando a situação o merece, sempre com um pequeno orgulho de pertença a esta comunidade regional: o meu muito bem-haja! Tipicamente guardense.
Somos guardenses! Bem-haja!
“Ser guardense implica saber do, e ter o, estigma da interioridade, e de uma pequenez, face à capital e aos centros de poder.”