A publicação do primeiro esboço do genoma do chimpanzé, em 2005, confirmou o que já se suspeitava: os seres humanos e os chimpanzés são muito parecidos… Parecidos, como? Mais de 98%, dissera então, sem terem em conta que 2% de 3.200 milhões de pares de bases são nem mais nem menos que 64 milhões de letras diferentes. Nesse caso deveria incluir-se o nosso primo chimpanzé no género homo?
Iniciava-se uma polémica que não está, de modo nenhum, fechada.
Paradoxalmente, tentou-se também “vender” que nesses 2% de diferença radicaria precisamente a informação que nos torna humanos. Uma afirmação fruto de uma abordagem demasiado simplista.
Este esboço e os ajustamentos que se seguiram confirmaram outro resultado de que já se suspeitava há algum tempo: os cromossomas sexuais Y de ambos os símios, o humano e o chimpanzé, eram completamente diferentes, muitíssimo mais do que os correspondentes cromossomas X. Quereria isto dizer que mulheres e fêmeas de chimpanzé se pareceriam mais do que os machos correspondentes das duas espécies? Este teria sido um bom exemplo de como uma interpretação distorcida de um bom resultado científico pode conduzir a um resultado mal-intencionado. A realidade é que o cromossoma Y contém poucos elementos imprescindíveis para a sobrevivência da espécie. Isto explica que tenham podido mudar tanto ao longo da evolução sem provocar consequências perniciosas.
Há pouco tempo parece ter-se dado mais um passo nesta direção. Uma cientista da Universidade do Havai conseguiu demonstrar que só é preciso modificar dois genes de rato (um deles num cromossoma X) para poder criar ratos transgénicos saudáveis e férteis, mas que carecem por completo de cromossoma Y. Deste modo, os ratos produzem espermatozoides viáveis, mas são incapazes de fecundar as fêmeas, que só podem engravidar recorrendo a inseminação artificial.
Do ponto de vista deste texto, o que tem interesse não é tanto a descoberta científica, mas sim o tratamento que lhe foi dado por parte da comunicação, salvo algumas exceções. Por exemplo: «O cromossoma Y do homem já não é indispensável para ter descendência» ou «O cromossoma Y é inteiramente dispensável». Nos dois exemplos, a leitura do texto que se segue ao título esclarece os termos reais da descoberta, mas o leitor de um jornal poderá não aprofundar e acabar por ficar uma mensagem errada: o macho do ser humano é dispensável. Ainda não. Mas, como já comentámos em textos anteriores, o futuro não está escrito…