Separação ética

Escrito por Cláudia Quelhas

No momento em que celebramos 50 anos de democracia e 25 anos de bom jornalismo n’O INTERIOR, foco-me nos desafios que os órgãos de comunicação social em Portugal enfrentam. Se alguns desses desafios refletem dinâmicas globais, como o espaço conquistado pelas Redes Sociais (RS), outros são específicos do contexto em que operam (nacional ou regional), tais como propriedade ou pressões financeiras.
Sentimos todos como as RS transformaram profundamente a maneira como a informação é absorvida e disseminada, criando novos desafios para a perceção do que é considerado “informação”. Fontes de informação credíveis estão agora a par com contas anónimas e duvidosos “influenciadores” perante um público cuja voracidade dificulta o discernimento sobre o que é factual e confiável.
Se os media conseguirem separar as suas componentes informativa e de opinião, poderão contribuir como um exemplo positivo e um contraponto ao caos informativo que prevalece nas RS. Parecendo óbvia a necessidade de uma intervenção estatal em matéria de isenção e sustentabilidade dos media, quer do ponto de vista do financiamento quer da regulamentação, esta separação de Notícias e Opinião poderia permitir desenvolver um modelo misto de financiamento público e privado capaz de garantir a sustentabilidade de um jornalismo independente de qualidade, dificuldades que os media enfrentam com a transição para modelos digitais e as quedas de receita publicitária.
Neste modelo, o apoio por recursos públicos incide exclusivamente na produção de notícias e informações factuais, enquanto a componente de “opinião” é financiada pelas receitas de publicidade, preservando a autonomia editorial das opiniões.
Para estabelecer uma linha clara de separação entre estas componentes será importante que o trabalho de produção de notícias seja elaborado pelos jornalistas residentes, enquanto a “opinião” ficaria a cargo de colunistas externos, ampliando o espectro de ideias e garantindo a diversidade de perspetivas.
Contudo, esta proposta de jornalismo financiado pelo Estado com um foco informativo robusto e uma opinião plural sustentada por fontes privadas necessita de regulamentação clara e fiscalização adequada, de uma gestão editorial capaz de garantir uma separação sem contaminantes.
Nos media locais, o financiamento público poderá ser a garantia da sua subsistência, já que as colunas de opinião são, em regra, não remuneradas. Poderá até permitir introduzir um modelo híbrido, onde alguns colunistas recebam pagamento em função de critérios bem definidos (como impacto, relevância ou qualidade).
Não me importo de pagar uma taxa para esta separação ética.

* Arquiteta
*Membro de Conselho Editorial de O Interior desde a fundação

Sobre o autor

Cláudia Quelhas

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