Segredos, conselhos, conselheiros e idiotas

Escrito por Jorge Noutel

“Desde os ditos amuos, verdadeiros ou falsos, até às bajulações para agradar ao café, chá, laranjada e bolinhos servidos em bandejas, tudo serviu para entreter idiotas.”

Rui Zink, o escritor e professor universitário português, escrevia há dias que, e passo a citar, «O risco do populismo não é o Trump ou o Ventura, é tratar os outros como se fossem idiotas». Os outros, entenda-se, somos todos nós, os cidadãos comuns, que com ou maiores ou menores habilitações literárias ou profissionais vão assistindo e, nalguns casos engolindo em seco, às idiotices da classe dirigente. De toda ela, sem restrições.
Os exemplos, cá pelo burgo (Portugal), são mais que muitos. Veja-se o caso do Conselho de Estado. Por definição devia ser um órgão consultivo, mas não vinculativo do Presidente da República. Uma das funções do Conselho de Estado é aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções. Ora foi com este mesmo objetivo que o Presidente da República convocou o último Conselho de Estado. Um Conselho de Estado, sui generis, pois teve duas partes. Lembrar que a primeira parte teve lugar em julho mas que, devido a um jogo de futebol ao qual o primeiro-ministro fez questão de estar presente, foi interrompido para férias e só agora teve a segunda parte. Pouco se foi sabendo, dado que o que é tratado no Conselho de Estado é sigiloso e só ao fim de trinta anos pode ser divulgado. Mas afinal para quê tanto secretismo? São tratados assuntos de segredo de Estado? NÃO! O que justifica tal secretismo tem a ver com a bajulação constante ao Presidente da República, quer por razões familiares de natureza partidária, quer por falta de coragem de os conselheiros assumirem publicamente os seus aconselhamentos.
Depois há as chamadas fugas de informação, os denominados bufos, que contam o conto acrescentando ou não um ponto. E que ponto! Assim vamos sendo tratados de idiotas. Nada que espanta. Lembrar que os conselheiros gozam de imunidade. Um Conselheiro de Estado apenas pode ser presente a juízo com autorização prévia do Conselho, que levante a sua imunidade. Ao contrário da imunidade dos deputados da Assembleia da República, que é obrigatoriamente levantada quando o crime em causa é punível com pena superior a 3 anos de prisão, a decisão do Conselho de Estado quanto ao levantamento da imunidade de um dos seus membros é livre; em caso de recusa o membro suspeito apenas responde em Tribunal quando deixar de ser Conselheiro de Estado. O que pode acontecer já com a prescrição do crime. Nada, mesmo nada, que possa espantar quem quer que seja e muito menos os cidadãos tratados como idiotas.
Desde os ditos amuos, verdadeiros ou falsos, até às bajulações para agradar ao café, chá, laranjada e bolinhos servidos em bandejas, tudo serviu para entreter idiotas. Algum conselheiro ousou sequer falar das idiotices que vão acontecendo graças à governação de um Partido Socialista com maioria absoluta? Calados e caladinhos! Desde a educação, mais de 100 mil alunos têm pelo menos um professor em falta; as prometidas creches não existem mesmo com a medida idiota de se aumentar o número de crianças por sala; a promulgação de um diploma execrável, indecente, enganador para com os professores; a falta de habitação condigna; a tentativa de enganaram os médicos com um acordo que se assemelha à cenoura mostrada ao burro, mas nunca lhe é dada, com o aumento do número de horas extraordinárias de forma camuflada e à perda do descanso compensatório para esconderem a falta de médicos e a ausência de médicos de família para milhões de portugueses; a abertura de 1.000 vagas na Função Pública quando se registaram 7.000 funcionários que se aposentaram; os rebuçados prometidos aos jovens desde o passe sub-23 com o Estado ainda sem ter pago às empresas 7,5 milhões de euros.
E mais alguém questionou a existência de meios para cumprir tal medida? Devolução de propinas? Mas o Partido Socialista sempre votou contra o fim das propinas! Um cheque-livro? Num país em que o hábito de leitura é risível? Férias nas pousadas? Mas não anunciaram que seriam disponibilizadas camas para compensar a falta de alojamento para os estudantes? Bem sei, construíram uma residência para estudantes em Anadia, onde não há ensino superior. E por fim a mais hilariante e patética: quem concluir a escolaridade obrigatória receberá um vale de uma semana de férias na rede das Pousadas da Juventude e quatro bilhetes de comboio!
Lembrar que o Conselho de Estado tem as suas raízes na Carta de Lei de 3 de Maio de 1845, que por sua vez foi sucessora do Conselho Régio de origem medieval. Preciso dizer mais alguma coisa sobre o feudalismo existente? A origem da idiotice, essa, está ainda por determinar.

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Jorge Noutel

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