Assinalando-se, no próximo dia 29 de julho, os 74 anos da Rádio Altitude é importante que a Guarda, a região e o país não esqueçam esta marca informativa, incontornável quando se evoca a história da radiodifusão sonora portuguesa.
Desde 1976 que estou ligado à Rádio, muito particularmente a esta emissora. O Altitude foi uma verdadeira escola de rádio e jornalismo, um espaço de aprendizagem prática, de criatividade, de superação constante dos desafios diários.
Tudo isto num contexto de excelente e salutar ambiente de trabalho, numa enriquecedora envolvência de diálogo entre as várias gerações presentes na rádio; uma emissora que fez nascer e consolidar amizades, laços afetivos e afirmou gratas memórias.
A polivalência de funções, por que todos passavam, traduziu-se numa maior capacidade de responder às solicitações do dia a dia da rádio, dos ouvintes, da região.
De décadas de ligação à RA resultaram os mais diversificados momentos e episódios, reportagens ou entrevistas marcantes, o contacto com tanta gente que a rádio aproximou; ficaram muitas horas em antena ou nos bastidores da estação emissora, um trabalho nem sempre lembrado. Há vozes e rostos que estão indissociavelmente ligados a esta Rádio.
Antunes Ferreira é um desses rostos, hoje evocado nestas breves notas alusivas ao 74ºaniversário da RA; esteve no Sanatório Sousa Martins, como internado, tendo, dentro do espírito da terapia ocupacional praticada naquela unidade, sido convidado para trabalhar na emissora guardense.
Em entrevista que nos concedeu em agosto de 2000, Antunes Ferreira recordava a abertura de um concurso, aquando da passagem do 10º aniversário da RA, para a escolha de alguns elementos destinados a trabalhos de apresentação de programas. «Fiquei classificado em quarto lugar», dizia-nos Antunes Ferreira, que, juntamente com mais quatro companheiros, passou a desenvolver a sua atividade na, então, modesta estação de rádio.
Na altura, o suporte humano da Rádio Altitude «era o amadorismo puro. Éramos todos amadores e nas horas disponíveis é que íamos para lá. Nós, os doentes, íamos após a fase do período das curas, que eram de repouso total. Alguns iam trabalhar na locução, outros nos arquivos de discos, outros nos registos».
A partir de então desenvolveu «uma colaboração assídua, durante vários anos. Juntamente com outras pessoas, de fora, assim se mantinha o Altitude». Cerca de 1960, o então Diretor do Sanatório Sousa Martins – Dr. Martins de Queirós – que, para Antunes Ferreira, era «a alma e o coração do Altitude», entendeu e perspetivou a importância daquela rádio como meio de comunicação social.
«Nessa altura começou a haver uma colaboração mais regular de outros elementos. Estava para sair do Sanatório, uma vez que estava curado, e o Dr. Martins de Queirós convidou-me para ficar, como profissional, isto à volta de 1965». Foi também a partir desse ano que começou a haver alguns profissionais. «A minha função não era propriamente de animador de emissão, até porque eu gostava mais da técnica. Dediquei-me mais à técnica». Um trabalho que Antunes Ferreira privilegiou ao longo dos 35 anos que trabalhou na Rádio Altitude.
«O ambiente era muito diferente do atual. Todos nós trabalhávamos mais sobre o joelho, mas poderei dizer que aquilo era uma escola de rádio. Houve muita gente que ali aprendeu e dali saíram para outros emissores; recordo que houve elementos que foram para os emissores associados de Lisboa, outros para o Porto. A Rádio Altitude nos seus primeiros 25, 30 anos, funcionou como uma escola de Rádio», lembrava, com alguma nostalgia, Antunes Ferreira.
Havia «muito amadorismo e sobretudo muita vontade e amor àquela casa», uma fórmula que, na sua opinião, foi importante para se consolidar a projeção da Rádio Altitude. «Aqui na região o que mais se ouvia era a RA, não só pelo interesse das notícias, mas também pela música popular que passava, do gosto do nosso povo».
Como nos referiu nessa entrevista, que fomos resgatar ao arquivo, todos os programas deixaram boas recordações a Antunes Ferreira, mas «aqueles espaços que mais vivia, como técnico, eram as transmissões diretas. Eram feitas transmissões diretas desportivas, religiosas, quer de acontecimentos políticos».
A veracidade das notícias, para o povo, dizia-nos Antunes Ferreira, «era confirmada pela RA. Se o Altitude dava qualquer notícia era porque isso tinha mesmo acontecido». Daí que, fez questão de sublinhar, toda a população da Guarda sentia o Altitude como uma coisa deles. «Toda a gente achava que tinha um bocadinho na própria Rádio Altitude. Aquela casa era de todos». As despesas eram suportadas pela publicidade, pelos discos pedidos, pelos anúncios de bailes e festas. «Vivia-se com o que se tinha e nada mais».
Aquando dessa entrevista, iniciado que fora um novo ciclo na vida da rádio, Antunes Ferreira, questionado sobre o que pensava do futuro da emissora disse: «Houve sempre uma coisa que sempre pedi: era que fosse o Altitude a ver-me desaparecer a mim [faleceu em novembro de 2008] e eu não ver desaparecer o Rádio Altitude. É isso que continuo a pedir».
E certamente que será essa continuidade da Rádio, assumida como voz da região, plural, interventiva, moderna, criativa, próxima das realidades que os guardenses desejam; sem esquecerem o seu historial de emissora solidária, associada a tantos nomes, um dos quais aqui evocado. Antunes Ferreira foi, durante largos anos um dos principais rostos da estação, trabalhador incansável, amigo, intransigente defensor dos verdadeiros interesses da sua estação emissora, cuja solidez económica soube sempre salvaguardar, mesmo nos períodos mais difíceis.
A Rádio continua a ter futuro; este passa pela perceção dos novos desafios, pela qualidade de conteúdos, pela presença em várias plataformas, pela reinvenção quotidiana, pela diferenciação programática com uma matriz da região que não anula, de forma alguma, uma presença global.
Rádio Altitude, uma marca incontornável
“De décadas de ligação à RA resultaram os mais diversificados momentos e episódios, reportagens ou entrevistas marcantes, o contacto com tanta gente que a rádio aproximou; ficaram muitas horas em antena ou nos bastidores da estação emissora, um trabalho nem sempre lembrado. Há vozes e rostos que estão indissociavelmente ligados a esta Rádio.”