Criar valor em vez de mendigar

Escrito por Acácio Pereira

“Sim, houve esquecimento e abandono! Mas também há décadas de políticas de apoio e de incentivo, nacionais e europeias.”

Os incêndios, outra vez os incêndios. E outra vez a conversa do interior esquecido, a pedir mais dinheiro do Estado, a pedir a “eles” (os de Lisboa, os políticos, eles…) ajuda para ultrapassar “o esquecimento”.
Talvez a melhor forma de começar a preparar um futuro pós-incêndios seja acabar com a visão miserabilista do interior, com a política e a prática da mão estendida, com a mendicidade latente que parece dominar o discurso de quase todas as pessoas que falam em nome do interior, sejam elas autarcas em funções, sejam os populares que falam para as câmaras de TV ao lado dos fogos ou nas esplanadas dos cafés.
Sim, houve esquecimento e abandono! Mas também há décadas de políticas de apoio e de incentivo, nacionais e europeias. Muito dinheiro tem sido canalizado para estes territórios de fronteira: infraestruturas, estradas, apoios à economia… e, recentemente, sistemas mais fiáveis de combate aos incêndios.
O ponto crítico, no entanto, permanece o mesmo: é preciso criar valor, e acrescentar valor, às atividades económicas que se desenvolvem nos nossos territórios. Bem sabemos que é mais difícil estando afastados do litoral, mas é possível, é viável e é rentável fazê-lo aqui, no interior. Os casos de sucesso estão à vista – e não são só em Espanha, também os há em Portugal, na Beira Interior!
O Fundão é um deles, fruto da ação conjugada de autarcas – nomeadamente o presidente em funções, Paulo Fernandes – de investidores, de empresários e de gestores. O Centro de Desenvolvimento de Software, a valorização da fileira da cereja e o Plano Municipal para as Migrações, entre outras ações, fizeram chegar ao Fundão 1.400 pessoas de 67 nacionalidades nos últimos seis anos. Há desde trabalhadores indiferenciados para trabalhar nos campos e na apanha da cereja até quadros muito qualificados: aliás, há oito anos viviam no concelho três engenheiros – hoje residem e trabalham mais de 900 engenheiros à volta da mesma cidade.
O ponto é este: é possível, está ao nosso alcance! Dá muito trabalho, claro está, mas, se fosse fácil, era para os outros.
Veja-se o exemplo de António Quaresma, presidente do grupo Valor do Tempo. Natural de Seia e com negócios como o Museu do Pão, o Museu da Cerveja ou o Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa, adotou como causa valorizar a pastorícia na Serra da Estrela. Para isso, inventou o Pastel de Bacalhau com Queijo da Serra e, com o seu sucesso, passou a pagar o queijo a 15€ o quilo e, depois, a 18€, muito mais do que era habitual receber.
Agora concebeu uma almofada com design para obter altas rentabilidades da tosquia das ovelhas bordaleiras da Serra da Estrela, uma atividade que, até há um ano, era deficitária. Passou a comprar a totalidade da lã de todas as ovelhas certificadas e, agora, vende as almofadas a alto preço na loja da Torre, a dois mil metros de altitude, e nas outras lojas do seu grupo por todo o país e nos aeroportos.
As boas ideias, e o trabalho, são alternativas viáveis ao queixume e à mendicidade. Sigamos estes exemplos.

* Dirigente sindical

Sobre o autor

Acácio Pereira

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