Ao darmos por nós sem recursos narrativos capazes de descrever ações humanas mais próprias de bichos do que dos homens, teremos inventado as fábulas. Infelizmente, essa forma de traduzir a natureza humana parece esquecida. Não fora por isso e veríamos nos que inexoravelmente avançam carreira política afora a coruja que ficou sem filhos, por não ter querido aceitar que eram feiinhos. Claro que, no fim, nem muito zangada com a raposa, que lhos comeu, pôde ficar, pois não teve como contrariar o facto de que isso só aconteceu por desonestidade sua. Em boa verdade, as crias de coruja, ao contrário do que ela dissera, são mesmo feiinhas. Mas, já se sabe, o que é nosso é sempre bonito. Bonito, virtuoso e único. Pode ser do mais feiinho, desonesto e vulgar que se possa imaginar, todavia, é nosso e, sendo nosso, das duas uma, ou passa a valer o seu contrário, ou lhe escondemos as caraterísticas que, nos outros, denunciamos como reprováveis. Claro que haverá melhor explicação para a crise atual, do que a similitude entre certos tipos de políticos e animais, mas será sempre mais difícil de se explicar e entender. A não ser pelos exemplos que as fábulas possibilitam, haverá sempre coisas para as quais não encontraremos qualquer explicação. Se não for através da similitude com uma qualquer fábula, de que outra maneira se compreenderá que, os que tanto encheram o peito e a boca contra a alegada corrupção dos adversários políticos, numa lógica evidente de que “aos nossos não se aplicam as leis gerais e as que tanto nos fartámos de apregoar”, agora não estejam nada preocupados com a possível corruptibilidade dos seus? De que outra maneira se compreenderia que os mais incompetentes se arroguem o direito de nos impor a sua incompetência, e respetivas consequências, sem nunca pedirem desculpa por o fazerem, e queiram continuar a impor-no-la?
Nos dias que correm, bem se sabe que as diatribes das redes sociais digitais, e alguma imprensa, substituíram as fábulas das costas dos nossos cadernos da escola primária. Quanto a isso, pouco podemos fazer, mas lá que a possibilidade de interpretar o absurdo, do que alguns dos atuais protagonistas políticos de Direita fazem e dizem, através delas nos está a fazer muita falta, está. Perante a aparente estupidez de nos quererem fazer crer na honestidade de quem não quer mostrar o que realmente é e faz, que outra forma teremos para aferir da sua conduta se não através de alguma das fabulosas fábulas que nos foram apresentadas na nossa infância? Como poderemos identificar a desfaçatez dos que, aos berros, se autoproclamam patriotas, anti tudo e mais alguma coisa, enquanto, em regime de franchise, se colocam ao serviço de países nossos inimigos? Se não for pelas fábulas, só poderá ser pela inteligência e pelo bom senso e esses são coisas que, por estes tempos, não parecem abundar por aqui. Aliás, perante tamanha inaptidão para abordar a realidade pelo ângulo certo, evidenciada por quem vai na cantiga dos que se assumem como salvadores da pátria, enquanto a vendem a quem lhes pagar mais e praticam todos os actos que dizem condenar, não abundam. De certeza.