Primeiras notas de um eleitor sobre a campanha eleitoral

Escrito por António Ferreira

“Vi os truques de comunicação do costume, resumidos a gritar mais alto nos pontos em que era desejável aparecerem aplausos, mas nada mais.”

De pouco serve criticar a governação do PS para apelar ao voto; estávamos cá e vimos e sofremos tudo o que fez de mau.
Não vale a pena culpar o governo por tudo o que de mal aconteceu em Portugal nos últimos anos. Houve uma pandemia e há agora duas guerras, houve inflação generalizada por toda a Europa e tudo isso teve consequências na governação e na nossa qualidade de vida.
As oposições tiveram oito anos para construir uma ideia para o país e pensarem nas propostas que têm para os problemas que enfrentamos. Não é aceitável não se apresentar já uma solução para o novo aeroporto de Lisboa ou uma decisão sobre o TGV, ou ideias concretas para o SNS, a crise da habitação ou a escola pública. Ou pensam que basta a visão das suas maravilhosas pessoas para os problemas desaparecerem? Uma pista: quando é suposto alguém apresentar ideias e não o faz é porque as ideias não existem.
Falta ver o mal que o apoio a Putin fez ao PCP e ao Bloco. O novo secretário-geral do PCP, cujo nome agora não me ocorre, não fala no assunto e faz bem. Faz bem também em evitar ataques pessoais e apresentar propostas concretas, mesmo que sejam as mesmas de sempre: aumentar salários e pensões à custa do grande capital e dos “lucros fabulosos” da banca. Quanto ao Bloco, gostei por uma vez de ouvir Mariana Mortágua dizer que as propostas dos partidos deviam ser acompanhadas da forma de as implementar.
Na direita, temos a nova AD, e já lá vamos, mas há que seguir com atenção Iniciativa Liberal e Chega. É interessante ver como a IL, depois de passar anos a oferecer-nos a solução liberal, proveniente do mercado e não do Estado, para cada problema, agora brande as bandeiras da escola pública e do Serviço Nacional de Saúde. Quanto ao Chega, está na mesma e mantém a credibilidade e os valores de sempre: o ódio beato e vazio, travestido de indignação.
A alternância democrática é tão importante que podemos dizer que sem ela não há democracia. Mesmo assim, não somos obrigados a votar na oposição só porque o PS está há oito anos consecutivos no poder. Para isso, e antes de mais, convinha ouvir propostas concretas: dar aos professores, aos médicos e demais funcionários públicos os aumentos salariais que pretendem? Já, ou faseadamente? Onde vai ser o aeroporto? Qual a estratégia quanto ao TGV? Que áreas da economia vão ser prioritárias? Que política fiscal propõem?
Ouvi os discursos da apresentação da AD e, lamento, mas não retive uma única proposta. Vi os truques de comunicação do costume, resumidos a gritar mais alto nos pontos em que era desejável aparecerem aplausos, mas nada mais. Esforçaram-se muito para nos convencer de que o governo é mau, mas, bolas, isso já eu sei desde a minha infância: o governo é mau, todos os governos são maus. Lembro-me de um vizinho, antes do 25 de Abril, que tinha um cão chamado “Cabrão do Governo”. Nunca mais o vi mas acredito que hoje vote no Chega, que diz o mesmo que este PSD, mas o grita mais alto.
Ouvi também Pedro Nuno Santos. Tinha as maiores objeções em relação a ele, até pelas suas responsabilidades no governo cessante, mas há que reconhecer que esteve bem no encerramento do congresso do PS. Apresentou valores, propostas e ideias. Foi veemente, sem gritar, e praticamente ignorou os seus adversários políticos. Ou muito me engano ou pode ser a grande surpresa destas eleições.

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António Ferreira

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