A volta do correio

“A esquerda vê as empresas como as crianças olham para os brinquedos. Ao início, enquanto se aprende como funciona, é coisa que até os entusiasma um bocadinho. Depois, aborrecem-se, e imediatamente pedem aos adultos que lhes comprem um brinquedo novo, até porque o anterior já está um bocado espatifado.”

As entradas em 2024 tiveram um cheirinho a passado. Não é só o espectro do regresso da geringonça com partidos de 1917, é também o súbito amor por serviços de 1940. Sabíamos da paixão de Pedro Nuno Santos por aviões, por carros de luxo, mas desconhecíamos o seu amor pelo serviço postal.
Muitos comentadores têm referido a diversidade ideológica dentro do Partido Socialista, mas poucos têm prestado atenção à diversidade tecnológica. É uma agremiação que tanto alberga a excitação de José Sócrates por computadores e cenas digitais como incorpora a ternura de Pedro Nuno por distribuição terrestre de cartas e encomendas.
É um partido que tanto quer obrigar todos os portugueses a ter um endereço electrónico e a entregar o IRS através da plataforma digital, como os quer forçar a pagar para ter uns correios que o próprio PS tornou obsoletos com a integração digital. De monolitismo de pensamento ninguém os pode acusar.
Nacionalizar os correios faz tanto sentido em 2024 como nacionalizar estalagens de descanso para viajantes e cavalos ou empresas de edificação de castelos e fortalezas. Em tempos, foram serviços fundamentais. Hoje, ninguém usa, para grande desgosto daqueles filatelistas que – ouvi dizer – só coleccionam selos usados.
A esquerda vê as empresas como as crianças olham para os brinquedos. Ao início, enquanto se aprende como funciona, é coisa que até os entusiasma um bocadinho. Depois, aborrecem-se, e imediatamente pedem aos adultos que lhes comprem um brinquedo novo, até porque o anterior já está um bocado espatifado. Como são garotos com alguma chico-espertice, vão até à Feira da Ladra ver se aparece alguém que lhes ofereça uns trocos pelo brinquedo velho.
Entretanto, para me preparar para mais um governo do PS vou comprar papel de carta, envelopes e selos, que se tornarão bens de primeira necessidade. Se o país continuar a andar para trás à mesma velocidade, em breve o manuscrito do “Observatório de Ornitorrincos” passará a ser entregue pelo mensageiro dos CTT. Com paragem na estalagem de Belmonte para o cavalo beber água e descansar.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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