A Candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura não esteve entre as eleitas para a fase seguinte de seleção. Não foi uma das “eleitas”. Teve a aspiração de, em 2027, ser uma capital europeia. O sonho de estar entre as melhores. A utopia da metamorfose pela cultura.
Não foi assim. O júri escolheu a juventude, a urbanidade e o dinamismo de Braga e Aveiro, a insularidade de Ponta Delgada e a vida cultural e capacidade de atração de Évora. O sonho de que a candidatura da Guarda iria potenciar o desenvolvimento da região e dar uma nova capitalidade à Guarda ficou adiado. Agora, cabe aos 19 municípios envolvidos, portugueses e espanhóis, inventarem uma nova estratégia, uma nova âncora, aproveitando o caminho trilhado para aproveitar o trabalho feito para a candidatura a Capital Europeia da Cultura. Olhar para o interior através da cultura era a ambição – não será em 2027, mas o projeto que uniu a região pode ir muito para além de 2027, na cultura, no turismo ou na dinamização económica transfronteiriça – convém fazer um reparo em relação ao que se vai dizendo por aí e demonstra um incrível desconhecimento dos propósitos e objetivos da Candidatura: como muito bem salientou em 2018 Álvaro Amaro, quando explicou os objetivos da candidatura e muitos não ouviram, quem vive na Guarda ou no interior não deve ficar impedido de fruir de espetáculos, atividades culturais ou da fruição cultural que raramente é possível no interior; Quem vive na Guarda também tem o direito a fruir de arte e cultura urbana e muito para além da vivência cultural de tradição e popular; Mais, a atividade cultural tradicional já existe, está devidamente ambientada e valorizada nas nossas aldeias, vilas e cidades, deve ser apoiada, mas não precisa de uma injeção financeira para ser dinamizada, nem precisa de um “selo” para ser catalogada, as associações culturais já o fazem, ainda que necessitem de mais apoio; Temos festivais e encontros etnográficos e culturais com caráter e dimensão; Uma Capital Europeia da Cultura é outra coisa e passa por elevar a vida cultural a outra dimensão; Não rivaliza com a cultura popular, mas não tem e não deve assentar nas associações e grupos de cultura popular.
Não foi possível ser Capital Europeia da Cultura, mas, como muito bem conclui o diretor-executivo da candidatura, Pedro Gadanho, em artigo de opinião que publicamos nesta edição, «o grande evento internacional e a súbita injeção económica poderão nunca chegar, mas o sonho e a vontade continuam cá».
A Guarda precisa urgentemente de novas ideias, de novos projetos, de novas ambições e estratégias. Não vale a pena olhar para trás e andar à procura de culpados (porque, o que precisamos é procurar novos desafios). A Guarda não será Capital Europeia da Cultura em 2027, mas o trabalho apresentado mostra que desde a Guarda é possível ter ambição e vanguarda, é possível sonhar e estar entre os melhores. Vamos procurar novas utopias para a Guarda e para a região… porque temos de valorizar a natureza, o território ou a diáspora, tal como se escreveu na candidatura que tanta expetativa criou em muitos dos que a defenderam, sabendo da improvável seleção de um território despovoado e de uma cidade do interior do interior (com mais assimetrias, dissemelhanças e arduidades que a maioria do vasto território de baixa densidade). 2027 não será o ano da Guarda, mas o projeto da Guarda como Capital cultural irá muito para além de 2027.
PS: Morreu esta semana o encenador Jorge Silva Melo que foi um dos pais fundadores do teatro contemporâneo português e subiu ao palco muitas vezes também na Guarda. Foi com a “Morte de um caixeiro viajante”, que encenou para os Artistas Unidos, que esteve em 2021 no TMG. Uma referência do teatro, das artes e da cultura portuguesa que não podemos esquecer.