Uma cidade que não reconhece o seu passado terá, seguramente, o seu futuro comprometido. O conhecimento histórico ajuda na desconstrução dos julgamentos marcados pelo senso comum, de forma a produzir formas mais complexas de compreender o mundo e de agir. É importante saber analisar e avaliar argumentos e ao mesmo tempo explorar e testar afirmações que outros fizeram – uma competência essencial no mundo das “fake news”. Torna-se imprescindível o diálogo entre diferentes perspetivas e promover o pensamento crítico, o debate e o reconhecimento de que, muitas vezes, pode haver várias respostas possíveis. Daí a importância, por exemplo, da História, encarada não como uma disciplina única e estática, que visa promover a coesão social, mas como uma disciplina que engloba o diálogo com as culturas, os valores e a relação entre passado, presente e futuro.
Torna-se cada vez mais imperioso salvaguardar o património cultural que é símbolo da nossa identidade e nos identifica enquanto habitantes da Guarda. O património cultural refere-se ao conjunto de bens imóveis (monumentos, sítios), móveis (peças artísticas, etnográficas, científicas, arqueológicas, fotográficas, entre outras) e intangíveis (tradições, práticas sociais, rituais) que nos foram deixados ao longo do tempo como testemunho da civilização, os quais, pelo valioso interesse cultural que possuem, devem ser objeto de especial proteção e valorização. Património é, no sentido mais alargado, tudo aquilo que possui importância histórica e cultural e que é preciso defender. Também na Guarda o futuro se constrói e tem bons fundamentos. Também aqui é fundamental defender o nosso património. Neste sentido é preciso, por exemplo, dar ainda mais protagonismo a alguns guardenses.
Carolina Beatriz Ângelo nasceu na Guarda e foi a primeira mulher cirurgiã e a primeira mulher a votar em Portugal por ocasião das eleições da Assembleia Constituinte em 1911. Era filha do jornalista que imprimia o “Districto da Guarda” e o facto de ser viúva e de sustentar a sua filha permitiu-lhe invocar em tribunal o direito de ser considerada chefe de família, tornando-se assim a primeira mulher a votar na Península Ibérica. É preciso dar destaque a esta guardense e criar um espaço para este efeito. Apesar de não ter presenciado a implementação do sufrágio universal em Portugal, Carolina Beatriz Ângelo é uma das mais reconhecidas sufragistas portuguesas do século XX por ter desafiado as normas conservadoras da sociedade portuguesa e realizado o feito de se tornar na primeira mulher a votar no país. O seu nome foi atribuído à toponímia de várias localidades portuguesas, existindo ruas com o seu nome nos concelhos de Almada, Oeiras, Guarda, Odivelas, Sesimbra, Sintra, Tavira, entre outros. Também aqui temos uma escola com o seu nome e, em Loures, o Hospital recebeu o nome de Carolina em sua memória e homenagem. Há ainda algumas peças de teatro que representam Carolina, como, por exemplo, “Pela Mão de Carolina Beatriz Ângelo”, escrita por Maria Antonieta Garcia.
Carolina Beatriz Ângelo foi mais do que a primeira mulher a realizar uma cirurgia ou a votar na Península Ibérica: ela abriu caminhos para a igualdade de acesso entre géneros. Até morrer, fez parte da Liga Portuguesa da Paz, liderou o movimento feminista e o movimento republicano feminino em Portugal e chegou à direção da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Carolina Beatriz Ângelo deixou um legado de inspiração, de luta e sacrifícios. É este legado que devemos divulgar na Guarda, sua cidade natal. Foi neste sentido que levámos a proposta da criação do Espaço Carolina Beatriz Ângelo à Assembleia Municipal, que a aprovou, por unanimidade. Para a localização do Espaço, sugerimos uma das casas do centro histórico que tanto (mas tanto!) precisa de ser revitalizado.
* Deputada do CDS-PP na Assembleia Municipal da Guarda