A revelação dos resultados do inquérito da OCDE às competências dos adultos em literacia e resolução de problemas, em 31 países, foi uma das piores notícias que o país recebeu em muitos anos. O assunto mereceu alguns comentários, mas ninguém rompeu as vestes, nem a sociedade se mobilizou para uma revolução cultural….
O inquérito da OCDE foi feito nos 31 países “ocidentais”, do Japão à Nova Zelândia, de Singapura ao Canadá, do Chile à Rep. Checa, que são os países mais desenvolvidos do mundo – numa lista que não inclui os BRICs, cujo rendimento per capita ou qualidade de vida da população é inferior à dos países da OCDE – e que inclui Portugal. Cerca de 40% dos adultos que vivem em Portugal só conseguem compreender textos simples e resolver aritmética básica, e apenas os chilenos têm mais dificuldades do que os portugueses a interpretar textos ou a realizar operações matemáticas necessárias no seu dia-a-dia. Portugal está entre os últimos da tabela na avaliação de competências: em 30º lugar em literacia; 30º em numeraria; 27º na resolução adaptativa de problemas (as três tabelas são lideradas pela Finlândia).
42% dos residentes em Portugal só conseguem resolver problemas simples, com poucas variáveis e pouca informação acessória. Apenas 2% dos adultos obtiveram alto desempenho, mostrando ter uma compreensão mais profunda dos problemas e conseguir adaptar-se a mudanças inesperadas. Portugal obteve 233 pontos na resolução de problemas, com melhor desempenho apenas do que outros quatro países: Itália (230), Lituânia (230), Polónia (226) e Chile (217).
Este estudo obriga-nos a refletir sobre a realidade portuguesa no contexto internacional. O Portugal que há 50 anos se libertou do fascismo, era um país pobre e sem educação, em que, no início da década de 1970, 20% dos homens e 31% das mulheres não sabiam ler ou escrever – tínhamos uma das maiores taxas de analfabetismo da Europa (em 1920 a taxa de analfabetismo era de 66,2%; nos censos de 1970 estava ao nível das estimativas de analfabetismo da Itália dos anos 20; em 2011 era semelhante às estimativas para França 90 anos antes). Foi um verdadeiro milagre que mudou o país nos últimos 50 anos: eram pouquíssimos os portugueses que frequentavam o ensino superior em 1970 (2,8%) – em 1974 havia 58.605 alunos no ensino superior português; em 2021 passaram a ser 411.995 – a percentagem da população entre os 25 e os 34 anos que concluiu algum nível de ensino superior passou a ser em 2020 de 42%. Ou seja, conseguimos nos últimos anos aproximar-nos dos níveis de formação e qualificação dos nossos parceiros europeus e da OCDE. Mas, como este estudo evidencia, apesar de Portugal se orgulhar de ter passado a ter a geração «mais bem preparada de sempre», estamos entre os últimos na Europa ou na OCDE. E quando reclamamos rendimentos similares aos dos nossos vizinhos da Europa não podemos desdenhar estes dados, não é apenas o facto de o país produzir menos, mas também o facto de estarmos muito longe dos demais países europeus na capacidade de interpretar, saber aritmética ou ter capacidade de raciocínio para resolver problemas. Não parece importante, mas faz toda a diferença. Afinal demos um salto extraordinário, mas ainda estamos no fundo da tabela. Deixámos de ser um país pobre e atrasado, mas ainda não conseguimos estar entre os 30 países mais desenvolvidos do nosso contexto. Já não somo um país de analfabetos, e até podemos parecer um país de doutores, mas “em Portugal 40% dos adultos só compreendem textos simples e matemática básica”.
PS: Se o estudo da OCDE não mereceu um alarme generalizado, mereceu a atenção de muitos. E aproveito para citar e homenagear uma das personalidades que tomou posição pública sobre o tema: Pedro Sobral, o presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), que, tragicamente, foi vítima de um acidente mortal na manhã de sábado, em Lisboa. Uma perda para o sector livreiro e para todos os que gostamos de livros – tive oportunidade de trocar opiniões e sentir o seu apoio a todas as iniciativas de promoção do livro e da literacia quando lhe pedi colaboração na organização da feira do livro da Guarda, que organizei entre 2001 e 2008. O “Público” de segunda-feira (23/12/2024) publicou um artigo de opinião de Pedro Sobral – “Um alerta para Portugal: competências em declínio e o futuro da cidadania” – onde defende a leitura como resposta aos défices de literacia da população portuguesa recentemente divulgados. Porque os resultados desse Inquérito «trouxeram para a ribalta um tema que deveria preocupar todos os portugueses: o défice de literacia, numeracia e resolução de problemas entre os adultos no nosso país». Como escreveu Pedro Sobral, «como cidadãos, temos a responsabilidade de não deixar que os alarmantes resultados do Inquérito às Competências dos Adultos se transformem num retrato definitivo do nosso futuro». Por isso, neste Natal, cada um de nós pode dar um primeiro passo rumo a um Portugal mais informado. Leia jornais, ofereça a assinatura de um jornal e ofereça livros.
Votos de Boas Festas