No momento que escrevo esta crónica não sabemos se há acordo entre PS e PSD sobre o Orçamento de Estado. Ou se há duodécimos. Ou eleições. Depois do circo em que se transformou a apresentação de propostas, de contrapropostas e de propostas «irrecusáveis», continuamos no ponto de partida. Importa esclarecer que, tal como os chapéus, orçamentos há muitos. Há os nossos, da família, os das empresas, das instituições, etc. E o do Estado. Esse, sim, é o mais importante porque mexe com todos os outros orçamentos.
O Orçamento do Estado é, por definição, uma lei da Assembleia da República. Integra a previsão de receitas e a autorização de despesas ou dotação de despesas, bem como uma autorização de endividamento, para o horizonte temporal de um ano. Ora, esta definição comummente aceite no meio académico coloca desde logo à evidência que reduzir a aprovação do Orçamento de Estado à simples discussão de dois articulados é uma forma muito restritiva e quiçá abusiva de apresentar o assunto. Recordo que a Lei do Orçamento de Estado contém um articulado, os mapas contabilísticos e as demonstrações orçamentais e financeiras. A proposta de lei do Orçamento de Estado deve ser acompanhada pelo respetivo relatório, pelos desenvolvimentos orçamentais (com a desagregação das receitas e despesas da administração central) e pelos elementos informativos. Assim sendo, pergunto se os portugueses, na sua totalidade, conhecem este relatório. O Governo e os partidos políticos informaram os portugueses desse relatório, debateram-no em praça pública e apresentaram consequências do mesmo? Não! Apenas deram nas vistas umas reuniões interpares e a discussão de dois articulados que têm dominado o circo a que vamos assistindo.
Tudo isto com a cumplicidade de uma comunicação social ávida de guerras do Alecrim e da Manjerona e com o português comum a não perceber minimamente aquilo que verdadeiramente possa ter impacto na sua vida. A iliteracia financeira mantém-se a níveis estratosféricos e a condicionar o desinteresse de muitos pela discussão. O que tem interessado à comunicação social são os argumentos e contra-argumentos inconsequentes, vazios e populistas que fazem aumentar as suas audiências, as vendas dos jornais. Propositadamente, não esclarecem nem elucidam e muito menos ensinam a pensar e a julgar o que se está a passar, não fossem os portugueses perceber que é com circo e não com assuntos sérios que têm perdido a pouca atenção que dedicam ao assunto.
Um Orçamento de Estado integra centenas ou milhares de medidas e de decisões políticas que as antecederam. Ninguém que consiga perceber como funciona realmente um circo mediático acredita que dois partidos se entendam acerca delas, ou que pelo menos não discordem, e que deixem para o fim duas que hão de pesar bem menos do que muitas das outras na balança das contas finais. E, passe os pleonasmos, esse ninguém também não percebe a figurinha que tem sido desempenhada pela figura que a tal comunicação social nos vende como sendo o apaziguador e garante da estabilidade que procura consensos, o tal que gosta mais de “selfies” do que eu gosto de gostar de mim.
Marcelo, o criador de “factos políticos”, e principalmente de “impasses políticos”, é o pai da instabilidade que agora diz querer evitar. Ontem dizia que não se devia ter medo do voto do povo. Hoje, receoso do povo, só quer que este se pronuncie quando ele já não estiver em cena. Marcelo treme de medo, mas não de vergonha! Apareceu em todos os telejornais chantageando o PS, mas acabou a chantagear também o PSD. Ontem ia para eleições se o Orçamento fosse recusado, agora é preciso que o Governo e o PS se entendam para que haja orçamento. E as influências que move para que tal facto aconteça vão desde a Igreja Católica Apostólica Romana até à Justiça! Cada vez que a religião se alia à política torna-se numa arma perfeita para escravizar ignorantes, já o disse Malba Tahan. Mas Marcelo é mau, não é burro. E, farto de rezar e de beijar as mãos aos bispos do seu Deus, após ter renegado o pai, o filho Nuno, e o Espírito Santo Banqueiro, há de acabar a implorar ao Diabo que o salve. E a barca do imortal Gil Vicente estará pronta. Até já há um almirante bastante populista que pode acabar a meter os pezinhos fora do quartel e a entrar nessa barca. Marcelo, igual a si próprio, olha para os “drones” e acredita piamente no seu futuro, nunca no dos outros. Siga o circo!
O orçamento, a alienação, a birra e o circo
“Um Orçamento de Estado integra centenas ou milhares de medidas e de decisões políticas que as antecederam. Ninguém que consiga perceber como funciona realmente um circo mediático acredita que dois partidos se entendam acerca delas, ou que pelo menos não discordem, e que deixem para o fim duas que hão de pesar bem menos do que muitas das outras na balança das contas finais. “