O Montepio Egitaniense

Escrito por Francisco Manso

“O Montepio Egitaniense, chamemos-lhe assim pois foi a sua última designação oficial, e também aquela pela qual era geralmente conhecido entre as gentes da Guarda, foi criado em 1866.”

O Montepio Egitaniense, chamemos-lhe assim pois foi a sua última designação oficial, e também aquela pela qual era geralmente conhecido entre as gentes da Guarda, foi criado em 1866.

O Monte-Pio Philantrópico Egytaniense

António Paes de Sande e Castro foi Governador Civil da Guarda entre 1865 e 1868. Dinâmico e empreendedor, rapidamente se apercebeu das graves necessidades do distrito, daí que, com o objetivo de encontrar uma solução para colmatar essas dificuldades, juntou em sua casa um grupo de comerciantes e notáveis da região. Logo aí, no dia 29 de julho, decidiram criar uma instituição de socorros mútuos, denominada Monte-Pio Philantrópico Egytaniense, para apoio aos seus associados. Nomeou-se uma comissão, presidida por António Luís de Almeida Barbas, que ficou encarregada de elaborar os estatutos, e ainda nesse mês foi eleita a primeira direção, presidida pelo conselheiro Telles de Vasconcelos. Socorrer os sócios doentes ou presos, ou atribuir pensões aos que estivessem impossibilitados de trabalhar, eram as suas principais missões.

1 Sande E Castro

Sande e Castro

Os sócios podiam ser homens ou mulheres, se autorizadas pelo marido. Eles pagavam uma cota de 5.000 réis, elas de 7.500 réis. A igualdade de género é evidente…
Durante o sec. XIX o número de sócios rondava os 300, um número significativo na Guarda de então. De qualquer forma o rendimento não permitia ter casa própria. Daí que as suas primeiras instalações tenham sido numa sala da Santa Casa da Misericórdia, depois em casa arrendada a dona Clementina e depois ao conselheiro Telles de Vasconcelos, na Rua das Fontaínhas. Mais tarde, compartilhará as instalações do Grémio Sande e Castro.

 

A “Caixa Recreativa”

Para obter fundos foi criada uma “Caixa Recreativa”. Lançava-se mão de tudo. Era o bazar, os sorteios e rifas, o bilhar e sobretudo o jogo do loto e das cartas. Tinha aula de francês, escola de música, biblioteca e organizava saraus literários e artísticos. Veio a fechar em finais de 1895. Os médicos Francisco Sobral, Lopo de Carvalho, Elvas Leitão e Monteiro Sacadura davam o seu apoio desinteressado, mas as despesas com medicamentos eram elevadíssimas. Como nessa altura, e por essas razões, o Montepio não reunia, condições de sobrevivência, os estatutos tiveram que ser adequados à realidade da região e do país.

Visita da Família Real

Em 1882 foi inaugurada a Linha do Caminho de Ferro da Beira Alta no meio de grandes pompas e circunstâncias, que o caso não era para menos. Os transportes estavam a ser revolucionados e com isso esperava-se o sucesso e progresso da região e do país. O ponto mais alto das celebrações foi a vinda da Familia Real para presidir às cerimónias. O rei D. Luís I e a Rainha Dona Maria Pia são recebidos solenemente na Câmara, e irão jantar no Governo Civil. Mas antes, já tinha sido atribuído o título de Real ao Monte-Pio Philantrópico Egytaniense. A reação foi esmagadora! Ainda nesse dia foi convocada uma reunião extraordinária, tendo sido deliberado «que se fizesse chegar às suas Augustas mãos, para os fins julgados convenientes» a ata de agradecimento. Mas, acima de tudo, solicitar a «honra da Presidência honorária» a Sua Majestade, a vice-presidência a sua Alteza Real o Príncipe D. Carlos, bem como a Graça de Sua Majestade a Raínha e Sua Alteza o Infante D. Afonso serem protetores do Monte-Pio.

Montepio Egytaniense

O Montepio tinha tido o seu grande momento de glória, no entanto, a República estava à porta e o Real Monte-Pio Philantrópico, que com tanta vaidade ostentava o seu título de Real, passará pouco depois, a 24 de junho de 1912, a chamar-se, simplesmente, Montepio Egitaniense. E, imagine-se, coisas dos tempos, a supressão do título de Real foi feita a pedido do próprio Montepio…
Na verdade, internamente, já se tinha dado uma outra revolução, com a chegada de João Caetano Salvado à Guarda. É feito associado e apercebe-se das dificuldades de crédito das famílias e das empresas, e da necessidade de uma instituição financeira local para dinamizar o comércio da região, estagnado à época. Da motivação que soube transmitir aos associados do Monte Pio nascerá, a 1 de janeiro de 1904, data em que iniciou as suas operações, a Caixa Económica da Guarda, anexa ao Monte-Pio.
Funcionava como uma instituição bancária, pois aceitava depósitos e pagava juros, concedia empréstimos sobre penhores ou hipotecas e descontava letras e livranças. Será a primeira, e única, instituição bancária da Guarda.
Na sua essência, o seu grande objetivo era incitar o espírito de economia, dando aplicação produtiva aos depósitos de que era aceitante, geralmente modestos. Já no séc. XXI foram encetadas negociações com o Montepio Geral no sentido da integração dos sócios do Montepio Egitaniense e dos depósitos da Caixa Económica da Guarda nesta instituição, de que veio a resultar a sua fusão como Montepio Geral.

O Monte-Pio Egytaniense e as gentes da Guarda

A abrangência de associados era transversal à sociedade regional. Os estatutos previam, já com esse objetivo, várias categorias de associados. Dois bispos, D. Manuel Martins Manso, em 1873, e D. Tomaz Gomes de Almeida, pouco depois, foram dois dos seus sócios honorários.

2 D. Manuel Martins Manso. Bispo E Sócio Honorário

D. Manuel Martins Manso. Bispo E Sócio Honorário

Para se ter uma ideia da capacidade de implantação da instituição em todos os estratos socioprofissionais, e da sua relevância na sociedade de então, faremos uma pequena resenha de alguns dos seus sócios. Só em si, este rol é impressionante, e constitui um retrato da sociedade da Guarda na mudança de século. A sua identificação e respetivas atividades e profissões ajudam-nos a entender aqueles tempos não muito distantes. Quanto à evolução do Montepio Egitaniense, das modernas instalações da Rua Vasco da Gama até à fusão com o Montepio Geral, será objeto de um outro trabalho.

ASSOCIADOS DO MONTE-PIO

Bernardo Xavier Freire – Advogado, grande proprietário, agente do Banco de Portugal, diretor do semanário “Districto da Guarda”
Francisco António Patrício – Industrial, negociante, grande proprietário
Visconde de S. Pedro do Sul – Grande proprietário
João Manuel Martins Manso – Advogado
Barbosa Leão – Médico
Visconde de Ferreira – Governador Civil da Guarda
João Monteiro Sacadura – Médico
João Pereira Franco – Oficial do exército
Simão Ribas – Industrial e negociante
José de Castro – Advogado
Conselheiro Telles de Vasconcelos – Ministro
Francisco dos Prazeres – Sacerdote, jornalista e Provedor da Santa Casa
Simão Freire Falcão – Advogado e proprietário
Amândio Paul – Médico
Arnaldo Bigotte de Carvalho – Advogado, Governador Civil

3 Arnaldo Bigotte De Carvalho, Governador Civil E Sócio Do Montepio

Arnaldo Bigotte De Carvalho, Governador Civil E Sócio Do Montepio

Salvador do Nascimento – Comandante dos Bombeiros Voluntários da Guarda
Francisco Pinto Balsemão – Industrial e negociante
Júlio de Almeida – Farmacêutico
António Balha e Melo – Estalajadeiro e dono do Hotel Central
Gerardo José Batoréu – Negociante, comandante dos Bombeiros Voluntários
José de Lemos – Político e comerciante
Alfredo Ribeiro de Moura – Gerente do Banco de Portugal
Cezar Mantas – Negociante
Amândio da Costa Alves – Marceneiro
António Rodrigues Leal – Farmacêutico
Manuel Valentim Dias – Empregado do comércio

5 Moderna Casa Do Montepio Egitaniense

Moderna Casa Do Montepio Egitaniense

* Investigador da história local e regional

Sobre o autor

Francisco Manso

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