O despovoamento é o problema central do interior. É um obstáculo ao desenvolvimento sustentável e à coesão territorial. Acentua o envelhecimento, reduz a dinâmica social e económica.
Estes fatores acentuam riscos ambientais, que, por sua vez, reduzem a biodiversidade e exponenciam os riscos climáticos. Os riscos climáticos extremos, cada vez mais graves e frequentes, provocam fuga de população dos territórios acentuando, por sua vez, o despovoamento.
O despovoamento abaixo de um limiar crítico põe em causa a sobrevivência humana e o equilíbrio ecológico. Estamos assim perante um círculo vicioso que urge interromper.
Temos como resultado, crise ambiental, desequilíbrio demográfico e territorial, com abandono do interior e massificação populacional nos centros urbanos.
Bedman (2021) explica que, na “Espanha Esvaziada” devido ao êxodo de jovens para as cidades, o sentimento de desenraizamento representa a principal ameaça à sustentabilidade rural. Temos que valorizar o alerta. Devemos receber bem os novos residentes e integrá-los ainda melhor.
Esta sensação de vazio, que tanto nos dói, assenta em factos: 7% da população do território continental ocupa 60% da sua área.
Necessitamos de “desenvolvimento sustentável” que, segundo a Organização das Nações Unidas (1987), implica dimensão ambiental, social e económica. Este processo de desenvolvimento deve assentar na participação efetiva da comunidade local na definição dos seus objetivos. Precisamos mais de envolvimento e participação do que comando central.
O balanço dos programas comunitários LEADER e PRODER, ambos inseridos na PAC, avaliados em 2020, sublinha a ineficácia dos seus contributos demográficos. Devemos enfatizar, mesmo que poucos nos ouçam, que o mundo rural é capaz de produzir produtos agrícolas e produção animal, neste país que importa quase tudo. O interior tem um papel a desempenhar na produção de produtos lenhosos e não lenhosos, caça e pesca, produção de resinas e mel etc. E ainda (como isto é importantíssimo!) na regulação da água, da biodiversidade e no sequestro do carbono.
A defesa da nossa comunidade e do nosso território, em nome do futuro, deve recusar todas as formas de exploração, turismo sem sustentabilidade ambiental, ou a extração (sem conta peso e medida) «das riquezas naturais – plantas, pedras ou outros bens naturais» (Serra, 2017); e um dia destes – lítio. Devemos enfatizar o património geológico da região na história e na sociedade – Geoparque Mundial da UNESCO.
White, JR (1967) citado por Prof. Viriato Soromenho-Marques (DN, 14-10-2023) ensina-nos que não devemos «legitimar o uso e abuso da Natureza para serviço das necessidades e caprichos do ser humano». Ou, como sabiamente, (e friamente) refere o Papa Francisco na sua exortação apostólica – “Laudate Deum” (4/10/2023), que na devastação ambiental e climática está o «pecado estrutural» de uma «economia que mata».
O Valor em análise exige a aplicação de políticas públicas direcionadas ao processo produtivo no território (como um todo), bem como a ampliação de acesso a serviços públicos universais de acordo com as necessidades locais – exemplo recente na área da saúde, demonstra a pertinência da solicitação – para despertar o interesse e viabilizar a permanência de jovens nestes territórios. Muitos territórios atualmente marcham para a extinção (Claiton José Mello e autores, 2023).
O problema é complexo e grave embora pouco apelativo para os governos centrais. A confirmá-lo, e apenas a título de exemplo, referimos que no Doc. Proposta do Orçamento do Estado para o ano de 2024 (PL 430-XXII/2023, de 07/10) a palavra Interior aparece apenas uma vez e para a encontrar temos que ler até a página 274.
Não nos conformamos!
Palavras dos outros
1 – «Neste tumulto de contingência, avançaram falsas soluções, como extinção de taxas moderadoras ou a criação da Direção Executiva como solução milagreira …», Francisco Ramos, “Público”, 14.10.2023
2 – «O calvário da Linha da Beira Alta, onde agora só há autocarros», título do “Público”, 14.10.2023
* Médico e líder do grupo do movimento independente “Pela Guarda” na Assembleia Municipal da Guarda