O flagelo que volta todos os anos

“O que os grandes incêndios mostram a cada verão é o país rural, pobre e atrasado, esquecido e abandonado, desprotegido e desprezado”

Depois de um verão tranquilo, na última semana Portugal voltou a viver o drama dos incêndios. Foram dias de pânico e noites de aflição, de uma tragédia conhecida e quase todos os anos repetida. Foi nos distritos vizinhos, de Viseu e Aveiro, que o flagelo foi de terror.
Mais de 120 mil hectares queimados, nove mortes a lamentar e 177 feridos é o rescaldo de uma semana negra na floresta do Centro e Norte de um país que continua a não saber fazer frente ao flagelo do fogo.
Não é possível evitar todos os incêndios florestais, não é apenas uma questão de impotência, é de natureza. Mas deveria ser possível evitar as consequências mais nefastas dos incêndios.
Como há dias resumia David Pontes no “Público”, «já foram os madeireiros, já foram as celuloses, já foram os vendedores de material de combate a incêndios, é sempre o eucalipto». E são sempre os incendiários, ainda que menos de um terço dos fogos comecem por ignição criminosa – os demais são por circunstâncias várias, do calor, da natureza, por acidente, incúria, irresponsabilidade, etc. Enquanto nomeamos um culpado, a culpa morre solteira. Sim, sem dúvidas, há incendiários, sim, há interesses, mas a dura da realidade diz-nos que a dimensão dos incêndios se deve mais ao desinteresse geral no ordenamento do território, à falta de gestão florestal e ao clima do que a uma qualquer conspiração criminosa ou cognitiva.
Podemos também escolher os “novos criminosos” e apontar o dedo às empresas que agora instalam painéis solares, como cogumelos, onde antes havia mato e floresta. Mas temos de ter a racionalidade e a consciência de perceber que vai sempre haver fogos e perceber que a reforma florestal derrapou, a limpeza não ocorre, os espaços rurais foram abandonados e a floresta mediterrânica arde naturalmente. Refletir sobre isto e atuar em conformidade dá muito mais trabalho e exige planificação, investimento e tempo. E os governos não sabem nem querem planificar, o dinheiro é sempre pouco e tempo é coisa que não damos a quem decide.
Quando o primeiro-ministro afirmou que «não vamos largar os criminosos», e que, além dos pirómanos, vai combater os «interesses que sobrevoam estas ocorrências», está a valorizar apenas uma parte do problema, o mais popular, o dos incendiários, e a desvalorizar o abandono a que o país há muito foi votado. A falta de planificação e de organização do território, o abandono da terra, a desertificação, a fuga para as grandes cidades ou para o estrangeiro, levam a que o país esteja abandonado, sem pessoas, sem vida e sem capacidade de proteger a fauna e a floresta, o campo, as aldeias e vilas que vão morrendo todos os dias, ainda que só quando há fogo é que o país dê conta.
Os grandes fogos de 2017 foram uma lição que não aprendemos. As promessas vãs de que o país iria implementar políticas de ordenamento e coesão territorial foram esquecidas com a chegada das primeiras chuvas de outono. E é assim todos os anos. O que os grandes incêndios mostram a cada verão é o país rural, pobre e atrasado, esquecido e abandonado, desprotegido e desprezado, longe do mundo cosmopolita de Lisboa ou da Europa. O Portugal profundo e ostracizado continua igual: um país adiado, onde teimamos em viver.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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