O direito à habitação é um direito fundamental que nunca foi cumprido

Escrito por Honorato Robalo

“Não basta apregoar a requalificação do centro histórico da Guarda ou a requalificação habitacional no mundo rural. É fundamental uma aposta pública na malha ur­bana para fomentar ha­bi­tação de­cente, es­pa­çosa, sa­lubre, confortável para todos. Que hoje, para uma grande mai­oria, não existe. “

A importância da nossa Constituição sobre direitos e deveres fundamentais, nomeadamente na área económica e social, onde emerge um que tantos apregoam um conjunto de medidas mas que, na essência, colocam em causa o plasmado no artigo 65º – (Habitação e urbanismo). Aproveito para transcrever o que consta e será importante a leitura para que possamos tomar consciência do real problema e mais ainda as dificuldades de quem trabalha.
«1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade família.
2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;
d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.
3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.
5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território».
Depois de uma leitura atenta do direito constitucional questiono se, porventura, a dita Estratégia Local de Habitação Guarda 2021-2026, que engloba 331 pessoas, que se traduzem em 109 famílias, num investimento total de 6,7 milhões de euros, vai ao encontro do caminho de acesso a uma habitação condigna onde a salubridade habitacional é fundamental na perspetiva da saúde pública e bem-estar.
Infelizmente o pro­blema da ha­bi­tação no nosso país contém os traços de uma si­tu­ação so­cial in­to­le­rável. Está muito longe de se re­sumir à questão do di­reito a ter um lugar onde ha­bitar. Dados re­centes, no­me­a­da­mente os oriundos do Censos 2021, ilus­tram-no.
O estrangulamento financeiro das famílias com o crédito à habitação vem demonstrar mais uma vez que a di­nâ­mica de dependência da banca para acesso à ha­bi­tação con­duziu a uma si­tu­ação em que 70% dos mo­ra­dores habita em «casa pró­pria» (pela qual paga pres­tação num valor médio de 360,51 euros men­sais, ou seja, pra­ti­ca­mente me­tade do SMN). E que qualidade tem a ha­bi­tação de que são “pro­pri­e­tá­rios”? Situa-se em edi­fí­cios dos quais 35,8% ne­ces­sitam de re­pa­ração, perto de meio mi­lhão dos quais neces­si­tando de re­pa­ração média ou pro­funda. 25% dos edi­fí­cios têm problemas de in­fil­tra­ções, hu­mi­dade, apo­dre­ci­mento. São in­sa­lu­bres. Seria importante que fizessem um levantamento fino do parque habitacional do nosso concelho, pois há muitos fogos abandonados e que deveriam estar no mercado habitacional, mas com condições habitacionais salubres.
Dados do Eu­rostat co­loca Por­tugal no 2º lugar dos países com maior ex­cesso de mor­ta­li­dade no In­verno (su­pe­rior a 17,7%), ex­cesso que é
com­provadamente mais ele­vado «em países com os mais sig­ni­fi­ca­tivos problemas e de po­breza ener­gé­tica, em regra re­sul­tante de fraca qua­li­dade na cons­trução». O nosso país en­contra-se no úl­timo lugar no que diz res­peito à ca­pa­ci­dade de manter as ha­bi­ta­ções «con­for­ta­vel­mente quentes» no In­verno, mas também está num dos úl­timos lu­gares no que diz res­peito a manter as habi­ta­ções «con­for­ta­vel­mente frescas» no Verão. São regra as ex­ces­sivas perdas e ga­nhos de energia, e estas re­sultam de pro­blemas es­tru­tu­rais de raiz.
A po­lí­tica de­mo­crá­tica de ha­bi­tação que urge exige uma pro­funda re­visão do sig­ni­fi­cado de «re­no­vação ur­bana», hoje in­qui­nado pela as­so­ci­ação a pro­cessos de gen­tri­fi­cação di­na­mi­zados pela es­pe­cu­lação imo­bi­liária.
Não basta apregoar a requalificação do centro histórico da Guarda ou a requalificação habitacional no mundo rural. É fundamental uma aposta pública na malha ur­bana para fomentar ha­bi­tação de­cente, es­pa­çosa, sa­lubre, confortável para todos. Que hoje, para uma grande mai­oria, não existe.
Temos que aprender com as catástrofes naturais e equacionar o investimento público para acautelar a acessibilidade à habitação condigna e a preservação harmoniosa no espaço público.

* Dirigente da Direção da Organização Regional da Guarda do PCP

Sobre o autor

Honorato Robalo

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