1. Diabolizar as redes sociais é tão perigoso como fazer delas um substituto da sociabilidade comum. Há um meio termo saudável a considerar. Uma via personalizada a explorar. Sem perder de vista que não são elas que criam dependências. Que provocam disrupções comunicacionais. Afinal, o gregarismo, a intolerância, as bolhas de autossuficiência, o tribalismo, não nasceram agora. E se foram as redes sociais um instrumento de eleição para o seu incremento, também é verdade que revelaram determinadas tendências numa conjuntura favorável. Ainda assim, não raras vezes as redes são proxys da solidão. Dão espaço a um querido diário sem segredos. Uma privacidade invasiva. Uma construção identitária fraudulenta. Mas há mais. Criam uma ilusão de proximidade. O espaço parece ampliar-se, quando na verdade se reduz a uma câmara de ecos. Muito recentemente, decidi deixar de actualizar a página do FB, com excepção das partilhas que faço a partir do blogue. Sem descurar as virtualidades das ferramentas em causa. Foi como regressar aos anos 90. Quando a proximidade física era o diapasão da nossa humanidade. Ou seja, procurar ou encontrar os outros para conviver. Sem ansiedade. Esperar que, quem quiser saber notícias sobre mim, ou vice-versa, ou trocar umas ideias disto ou daquilo, faça o mesmo. Neste sentido, a correcção de rota funcionou como uma triagem. Acredito que a dimensão da sociabilidade voltou a incluir o esforço, o acaso, a gargalhada ou a comoção. Sem cortinas, nem mediadores, ou confessionários virtuais. O mundo parece ficar mais pequeno. Mas, na verdade, fica mais cheio.
2. No canal Euronews (legendado) sigo com interesse a rubrica “Brussels, my love?” Poderemos descrever o programa como um breve, mas intenso, debate sobre temas da actualidade, em discussão as instâncias comunitárias. Conta com a participação rotativa de três deputados do PE, representando os vários grupos parlamentares. Neste momento, os comentadores residentes pertencem aos Liberais, Verdes e PPE. Os debates são extremamente vivos, pertinentes e esclarecedores. Com a vantagem de dizerem respeito a temas e projectos legislativos que, mais tarde ou mais cedo, chegarão cá. Como exemplo, discute-se a adopção de legislação comunitária que restringe o consumo do tabaco em muitos espaços exteriores. Sem prejuízo de alguns países, como é o caso da Suécia, já terem adoptado medidas nesse sentido.
3. O que nos torna mais sensíveis aos temas da esquerda ou da direita, nos dias que correm? Não creio que sejam convicções ideológicas. Daquelas que nos fazem pegar em armas. Ou ir para lutas concretas pela dignidade e pela justiça. Isso é coisa do passado. O que realmente fractura são as batalhas culturais, que ganharam uma expressão política determinante. O que inclui a identidade, estilos de vida, relação com o ambiente, etc. Os interesses corporativos imediatos são igualmente importantes. Mas há determinados traços de carácter, ou certas atitudes mais primárias que podem fazer a diferença. O ressentimento pode levar-nos para a esquerda, da mesma forma que a insensibilidade social pode conduzir à direita. O mesmo se diga da arrogância intelectual versus pragmatismo. Há variáveis e constantes nesta equação. Por exemplo, há psicopatas na esquerda e na direita. Mas o que os distingue? Tudo e nada. Há mecanismos que só se percebem realmente quando abandonamos a percepção mecânica e o mundo do dever ser.
4. Alguns grandes escritores, ao chegarem a uma idade avançada, sucumbem a uma tentação com consequências fatais: tornarem-se moralistas. Veja-se o caso de Lobo Antunes. Mais valia esconderem-se à vista de todos, no seu labirinto, como Borges. Ou pôr de lado as regras e reviver um amor da juventude, como Goethe. Ou mergulhar no silêncio, como Celine. Um moralista pode vir a ser um escritor, mas se o contrário acontece, pode confundir-se com senilidade.
* No calendário vegetal celta, significa “Junco”
** O autor escreve de acordo com a antiga ortografia