Não mais esquecerei aquela viagem para a Assembleia da República. Lá fora tudo igual; uma natureza generosa que cada ano explode em mil cores, nas flores de uma Primavera apressada a tomar o lugar de um Inverno atípico, cada vez menos Inverno.
A beleza da paisagem é completamente esmagada por uma realidade que me ocupa os sentidos e se revela e acentua em cada noticiário. Nunca imaginei ter de votar um decreto presidencial a estabelecer o estado de emergência no país; muito menos por estes motivos! Um vírus desconhecido ameaça toda a humanidade, espalha o medo, a morte, a incerteza. O mundo inteiro, esta sociedade que construímos ao longo dos séculos, a própria civilização e os seus fundamentos, o estado de direito, estão mesmo em risco.
É muito mais do que uma guerra; na guerra nós sabemos contra quem lutar, conhecemos o inimigo. Nesta calamidade ninguém sabe, com certeza, a estratégia para vencer. A dúvida provoca o temor que paralisa e destrói a coragem e a moral coletiva que nos conduz à vitória. O nosso planeta deixou-se aprisionar sorrateiramente à escala global.
Com igualdade e, democraticamente, ninguém escapa ao coronavírus: ricos e pobres, novos e velhos, direita e esquerda, crentes e ateus, todos somos alvos potenciais. Os muros de Trump ou as fronteiras do ódio de Erdogan são, nesta circunstância, meros sinais da sua insignificância. A União Europeia está à defesa e mais uma vez falha como Comunidade de povos e de nações. A gestão do dossier das fronteiras externas e internas devia ter sido assumido por Bruxelas. Deixar cada país por si deu um sinal errado e perigoso para a própria Europa e para o que representa no mundo.
O mesmo na economia. Fazer tudo o que for necessário para defender o euro tem de ser já. E assumir a mutualização das dívidas soberanas para salvar empresas e empregos. A explosão social será tão grave como o Covid-19. A Europa está a mostrar as suas fragilidades. O avanço dos nacionalismos e do populismo depende da própria União. Ou nos salvamos juntos, ou nos perdemos todos.
Perante a Lisboa destruída pelo terramoto, o Marquês de Pombal terá dito que aquele era o tempo de enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Há um certo simbolismo nestas palavras. No momento em que a Humanidade luta pela sua sobrevivência, também nós não podemos perder o sentido de futuro e contribuir para uma mudança de mentalidades. Nada será como dantes!
* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e antigo Governador Civil da Guarda