Eis que a Guarda foi visitada, de supetão, pelo secretário de Estado Adjunto da Saúde, António Lacerda Sales. Porque aconteceu isto? Porque sua excelência estava preocupada com a nossa saúde? Duvido. Isto aconteceu apenas porque em política não há coincidências, sobretudo quando se aproximam eleições. Alguém tinha de tentar “amenizar” as ondas de choque criadas pela desconsideração para com as gentes da Guarda, bem como o nervoso miudinho que grassa nas hostes locais do partido que suporta o Governo, tudo a propósito do reduzido número de vagas para médicos abertas na nossa Unidade Local de Saúde. Como na terra já não há ninguém com jeito para o remendo, e mesmo que houvesse já não há ninguém que pertença ao poder e em quem simultaneamente as pessoas acreditem, a solução foi mesmo encomendar o serviço a alguém de fora.
Note-se que não se deslocou à Guarda a tão mediática e sempre solícita ministra da Coesão Territorial. O Governo deve ter considerado que enviar alguém que, de cada vez que fala do nosso hospital, só faz discursos cheios de promessas e lugares comuns seria muito mau para um negócio que já não corre bem. Em situações destas não se atira lenha para a fogueira, envia-se alguém vestido de bombeiro, nem que seja só para fazer parecer que o fogo há de ser apagado um dia.
A verdade é que a Guarda pesa cada vez menos no panorama nacional. E não falo só no peso eleitoral. É na economia, na cultura, no turismo, na educação, etc. Já só temos três deputados que dizem representar a região, e a continuarem assim as coisas não faltarão muitos anos para serem apenas dois. Logo, Lisboa olha para o distrito como uma espécie de vazio no meio do nada. Tudo isto condimentado pela fraquíssima qualidade e capacidade de visão estratégica e de intervenção de quem tem dominado o poder local. E não falo só dos atuais protagonistas…
Por isso, um qualquer secretário serve para montar uma estratégia para tentar calar a indignação geral da população. Lá mais para a frente bastará um chefe de gabinete e mais adiante o porteiro do ministério! A coisa promete quando um secretário de Estado ergue como argumento maior a bandeira da contratação de dois anestesistas, um reumatologista e um hematologista para o nosso hospital. Essa bandeira não passa de um pano encharcado em cima de uma ferida que continua a sagrar abundantemente. É que na verdade não interessa tanto o número de vagas que se abrem, mas o número das mesmas que se consegue que sejam preenchidas. E se formos por aí, há especialidades em que o Governo até podia abrir mil vagas por semana e ainda assim não se conseguiria preencher nenhuma!
A política tem de ser outra. E tem de deixar a propaganda e a aldrabice à porta do hospital. Se assim não for podem até construir dez grandes hospitais na nossa cidade, mas a nossa saúde vai continuar a caminhar para o abismo! Para que essa política mude, têm de mudar os paradigmas subjacentes àquela que é atual e que nos conduziu ao buraco em que nos encontramos. E é aí que está o busílis da questão. Quem nomeia as administrações hospitalares é o Governo. O primeiro critério é o da confiança política. A competência é só a fingir, até porque em Portugal é difícil não se ser competente quando está em causa um lugarzinho no aparelho de Estado. Se dúvidas houver, aí está a CRESAP para atestar que os candidatos a estes cargos são autênticos medalhistas nas suas respetivas áreas de nomeação. Não é por acaso que um dos membros da administração do nosso hospital é, simultaneamente, presidente da concelhia de um partido político e andou a colocar-se em bicos de pés para ir como candidato a presidente da Câmara. Imagino que tenha uma competência absolutamente a toda a prova para querer e poder ser tudo isto, e mais alguma coisa se o deixarem.s números recentemente vindos a público acerca do colapso na produção cirúrgica da ULS, colocando-a no último lugar de uma lista de instituições equivalentes a nível nacional, deveriam ter feito corar de vergonha os responsáveis do nosso hospital. Eu, se fosse membro da administração, ter-me-ia demitido em três segundos, ou por perceber que não tinha feito convenientemente o meu trabalho, ou por não me terem sido dadas pela tutela as condições mínimas para tal. Mas suspeito que a vergonha desta gente não é a mesma que a minha. Suspeito que se acham os maiores e que julguem não ter culpas nenhumas no cartório. Devem até achar que quem os critica pertence ao “inimigo” e só lhes quer mal. Nunca perceberão que apenas queremos bem à nossa saúde e que são eles que têm de mudar a sua visão do mundo, e não nós. Entre estes dois mundos que não se tocam há um abismo que se alarga. E a Guarda não precisava de estar mesmo no meio dele…
Nabos, necessitados, aldrabões e o abismo
O Governo deve ter considerado que enviar alguém que, de cada vez que fala do nosso hospital, só faz discursos cheios de promessas e lugares comuns seria muito mau para um negócio que já não corre bem.