Reforçando o convite para ficar em casa, a neve apareceu, de mansinho e com muito frio, numa Primavera estranha, onde o pânico e o medo são o mais intenso. Melhores dias virão, é o que todos esperamos.
Entretanto, olhamos para as duas últimas semanas, de estado de emergência, e vemos que o mundo, tal como o conhecíamos, desapareceu.
Na primeira semana de março, ainda a pandemia parecia vir longe, defendi o regresso das fronteiras. Não por alguma especial vontade nacionalista ou por algum despeito antieuropeu. Pelo contrário. Porque, como víramos em Wuhan, o isolamento era a primeira medida que tínhamos de tomar na precaução contra a Covid-19. A Europa não o fez. E Portugal tardou.
O regresso das fronteiras devia ter ocorrido mais cedo. E o controlo de entradas devia ter sido mais eficaz e profilático – qualquer cidadão ao entrar no país deveria ter sido enviado para quarentena, de forma controlada. Foi essa falta de controlo que permitiu que os muitos emigrantes regressados tranquilamente se passeassem por lares e visitas a familiares. Compreende-se, mas as autoridades, avisadas, deviam ter tomado medidas mais cedo. Foi assim que o vírus se passeou por um batismo na Parada ou entrou no Lar de Foz Côa. E em Pínzio e Gouveia e em tantos outros locais onde as saudades e a irresponsabilidade falaram mais alto que todos os avisos. No distrito da Guarda há oficialmente (no momento em que escrevo esta crónica) 103 infetados com o novo coronavírus e cinco mortos em oito concelhos. A maioria foi infetada por pessoas que regressaram ao país.
O controlo sanitário em Vilar Formoso (e nas demais fronteiras), com o confinamento de quem chega, não impediria a propagação da pandemia, mas tê-la-ia retardado. Ainda assim, e enquanto vemos o mundo paralisado, em Portugal o surto tem sido devidamente restringido, com os focos de contágio identificados e um impacto, todavia, reduzido. Infelizmente prevê-se que as próximas semanas serão mais nocivas e difíceis.
Mas «se não morremos do mal morremos da cura»! Muito para além da primeira opção, nesta “guerra biológica”, que é salvar vidas, as consequências serão trágicas. A economia está completamente parada. As pequenas empresas estão à beira do precipício; o comércio vai continuar fechado e muitas lojas acabarão por encerrar semeando o pânico entre comerciantes e empregados; a restauração e a hotelaria (o turismo representa 20 por cento do PIB) fecharam sem saber a fatura e as agruras dos próximos meses; os serviços, a cultura… As muitas medidas anunciadas serão poucas para as dificuldades que vão crescer nas próximas semanas. A espiral de dificuldades será catastrófica. Depois da pandemia, virá o desemprego e o fecho de muitas empresas. Regressarão as sombras – que nunca deixaram de pairar sobre nós – dos tempos da Troika, mas os mais jovens não terão a emigração como escape porque por todo o lado a crise será acentuada. A unidade nacional e a solidariedade vão dar lugar ao individualismo e ao “salve-se quem puder”.
Num país vulnerável, com perto de dois milhões de pobres, a várias velocidades, serão, como sempre, os mais frágeis e necessitados a sentir a verdadeira dimensão da epidemia. Os que agora trabalham sem ninguém falar deles, nas fábricas, nas obras, nos armazéns de bens essenciais, na distribuição, nos correios, nos jardins, etc., que não podem ficar em casa, não fazem quarentena e sobrevivem por entre o medo generalizado, serão os que verdadeiramente mais sentirão as consequências do momento que vivemos. Os seus filhos que não têm computador, nem acesso à Internet, e ficaram sem escola; os que trabalham sem proteção e vão ficar sem emprego; os que não têm tempo para ouvir falar do Covid-19 e não podem ficar de quarentena – porque a quarentena é só para quem pode!… O mundo não será o mesmo. E não será o mesmo especialmente para os mais fracos.