Ladrão que rouba ladrão: os labirintos do repatriamento

Escrito por Pedro Fonseca

“No final da batalha “os espólios vão para o vencedor”; e no imperialismo a espoliação tem como beneficiário o país dominante.”

A marcha triunfante de Napoleão Bonaparte incluiu o encaminhamento para França de muito do património histórico e cultural dos países vencidos. Durante o seu reinado, o Museu do Louvre (rebatizado sugestivamente de Museu Napoleão) concentrou uma grande quantidade de obras de arte e de artefactos de proveniência muita diversa.
Mas a França napoleónica não fez mais do que exceder-se numa prática milenar, tão antiga quanto a guerra e a dominação de uns povos por outros. No final da batalha “os espólios vão para o vencedor”; e no imperialismo a espoliação tem como beneficiário o país dominante.
Após a derrota de Napoleão, muitos dos artefactos saqueados foram devolvidos. Particularmente dramática parece ter sido a devolução dos Cavalos de São Marcos. Há relatos de mulheres a chorarem enquanto imploravam para que permanecessem em Paris e não fossem novamente para Veneza. “Novamente” é o termo correto porque este conjunto de estátuas foi levado para a cidade italiana, no século XIII, após o saque de Constantinopla pelas tropas venezianas que integravam a Quarta Cruzada.
Durante a campanha militar de Napoleão no Egito, a Pedra de Roseta foi descoberta por soldados franceses. Mas não chegou a ser encaminhada para o Louvre, pois foi confiscada por tropas britânicas e seguiu viagem para Londres. Este precioso fragmento de uma estela da civilização do Antigo Egito encontra-se, desde então, no Museu Britânico. Lá goza da companhia de milhares de outros artefactos culturais oriundos dos quatro cantos do mundo, muitos dos quais também ali chegaram por vias sinuosas. Não é por acaso que o Museu Britânico é considerado por alguns como o maior armazém de arte roubada do mundo.
Não muito longe do Museu Britânico, podemos encontrar o diamante Koh-i-Noor, guardado a sete chaves na Torre de Londres. De origem desconhecida, o primeiro relato histórico desta pedra preciosa data de meados do século XVIII, altura em que era pertença da família imperial do Império Mogol (norte da Índia). Daí em diante, foi mudando várias vezes de tutela até que, em 1849, na sequência da vitória militar da Grã-Bretanha sobre o Reino de Punjab, chegou às mãos da família real britânica.
O chamado “Tesouro de Príamo”, constituído por um conjunto de artefactos e joias, erroneamente associado ao lendário rei de Troia, foi descoberto em 1873 no então Império Otomano (atual Turquia). Um dos arqueólogos responsáveis pela descoberta, o alemão Heinrich Schliemann, levou-o clandestinamente para o seu país natal. O arqueólogo haveria de devolver alguns dos itens, em troca de nova permissão para realizar escavações nos territórios do Império Otomano, mas a maioria deles ficou nos Museus Reais de Berlim. Ali permaneceriam até 1945, ano em que seguiram na bagagem das forças soviéticas vitoriosas da Segunda Guerra Mundial para Moscovo, onde ainda hoje se encontram no Museu Pushkin.
Estes são apenas alguns de muitos exemplos de obras de arte e artefactos culturais que, entre vitórias e derrotas, dominações e saques, negociatas e manobras obscuras, deixaram rastos que se afiguram como verdadeiros labirintos para eventuais processos de repatriamento.

* pedrorgfonseca@gmail.com

Sobre o autor

Pedro Fonseca

Leave a Reply